Brasileiro é mais estrangeiro do que boi em terra dos outros. Eu mesmo, tenho avoengos vindos de Portugal antes mesmo do Cabral, e, segundo Capistriniano de Abreu, fazendo filhos e piadas de mandarová com as nossas índias. Depois, a família foi crescendo com mais portugueses, espanhóis, uns poucos italianos, uma pitada de flamengos, uma pá de cristãos novos, e deu nisso que em mim vêem: uma personificação do estatuto do imigrante. Fui imigrante na terra do tio Trump, tenho esposa estrangeira e filhos e netos com dupla nacionalidade, e, até, missionários no Japão.
Tudo isso, digo como quem alisa o pescoço do animal antes de aplicar a injeção. Ou, se preferirem os citadinos avessos à roça: como quem chama criança de meu bem antes de mandar brasa na vacina. É que o assunto, aqui, é sobre o ruído da imigração e das fronteiras e os limites dos poderes do estado.
Vamos lá. Nosso brasilzão sem porteira, País que costumava ser bão, foi formado por gente de tudo quanto é mundo. Eram 30 milhões que sequer davam pra cantar em copa. Aí, veio o “loiro imigrante”, de toda cor de cabelo e forma de olhos, de românticos cassianos ricardos, e o pirlimpimpim do petróleo é nosso, de fabulísticos monteiros lobatos. O cafezal não noivou nem carregou sem eles, nem as cidades tiveram pão, tecido, ferro, letras e músicas. No meu Jahú, aprendi a gostar de Brasileirinho, Caminito, Ya Habibi Ta'ala, Carmen, O Barbeiro de Sevilha, Cortando Estradão, e, é claro, de João de Barro vertendo Disney!
Agora, na cola do tempo, com 208 milhões de habitantes e uma população mundial de 7,5 bilhões, o cenário mudou de figura. Mudou em termos de quantidade, o que, por sua vez, obriga a mudanças de qualidade. Neste cenário aumentativo, não mudou a visão sócio-política dos mandatonas e do povaréu. Os herdeiros dos mandantes extrativistas portugueses continuaram a extrair o sangue da terra e o ouro do povo. Os mesmos políticos que trocaram o reino pela república somente fizeram mudar os títulos, e o mesmo povo gentil somente viu mudar a ordem e o progresso. Não é assim com a plantação e com a manada que a gente colhe e que a gente ordenha? Entra político, tira político, sai político, sem nenhum respeito ao povo. E o povo, traído, imagina voto livre.
O Brasil jamais foi livre de golpes, tendo mais vices que assumiram a presidência do que presidência de verdade. Mais ditaduras do que governo. Mesmo a América Latina deu à luz algumas gerações de tiranos militaristas, bolivaristas, guevaristas e fidelistas. Foi nesse tempo que a salada mista da política nacional entregou o petróleo para a irmandade do fórum caipira e negou o pré-sal ao povo. A Venezuela, o “melhor” país sul-americano de há pouco, com petróleo e orgulho acima da medida, tomou a oferenda lulista e viu perdoada uma dívida acumulada ao prêmio de uma refinaria. De repente, entra em parafuso, e sua pobreza transborda para o Brasil.
Do lado de cá da fronteira, coitado, a terrinha de que me ufano sequer tem para os próprios cuidados. Tem quem grite de júbilo e há quem grite de dor. E como brasileiro é mais macho do que mulher de esquerda, a nossa lei abre as fronteiras para quem der e vier. Islâmicos fecham suas fronteiras a quem quer que não lhes seja política e economicamente vantajoso, e abrem os nossos limites; chegam e nem mostram a cara. De um lado, haitianos, bolivianos, indonésios e tantos mais vão chegando, e, de outro, a nossa exportação de brazucas para o Canadá, Estados Unidos, Europa, Japão, Austrália e o restante do mundo. Onde é que não aportam as nossas naus?
Você é contra? É a favor? E que bicho deu hoje? É fato, tem mais chão para correr do que sapato pra calçar.
A questão do refugiado é um dos temas centrais da Bíblia — é redentivo, por assim dizer. Isso, em ambos os sentidos, vertical e horizontal. Como é que é?! É isso mesmo! É redentivo porque a humanidade, fora dos limites do Éden, é basicamente estrangeira, necessitada da promessa do Redentor Filho de Deus, descendente da mulher segundo a promessa (cf. Gn 3,15; Gl 3.18). Somos estrangeiros e peregrinos a caminho de outra terra. E é redentivo no sentido de que o assunto da imigração\emigração carece de resgate em relação às disposições sócio-políticas atuais e às inclinações afetivas naturais.
A luz do Criador e Redentor projeta sombras na história, as quais ele trabalha como antecipações de coisas que hoje experimentamos e que nos são especialmente redentivas. A igreja de todas as épocas deveria ser luz e sal para um mundo em decadência. Deveria ser exemplo de caráter individual e de unidade social. Ao ouvir a sua voz, o mundo deveria temer a Deus em função de um testemunho vívido. A igreja também deveria honrar os ministros da espada, ordenados por Deus. Hoje, porém, a igreja vê-se cerceada em todos os lugares por fronteiras que podem inibir a Grande Comissão. Biblicamente, a igreja deveria honrar a Deus sobre quaisquer césares, e cumprir a sua missão. Então, como é que fica?
O pai da fé, Abraão, saiu de sua terra e parentela para uma herança além fronteiras, por ordem de Deus. Jacó e família migraram para o Egito por causa de questões geofisiológicas, por vontade de Deus. Moisés liderou os israelitas, em oposição ao faraó, vagando por 40 anos optativos entre povos e governos, até a terra das conquistas, tudo por ordem de Deus. O mesmo Deus soberano, antes apresentado por Moisés como o Senhor Criador, então, apresentou-se como Senhor Redentor. Fez isso exatamente ao declinar a Lei, a qual o Senhor Jesus, o Filho encarnado, condensou no tema do amor a Deus e amor aos homens. Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão (Ex 20.2).
À luz da graça de Deus, e à sombra da fé em Cristo Jesus, o seu amor alcança nossa vida no lugar de nossa habitação em contrapartida à Grande Comissão. Ele diz: Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito (Dt 10.19). E diz também:
Quanto à congregação, haja apenas um estatuto, tanto para vós outros como para o estrangeiro que morar entre vós, por estatuto perpétuo nas vossas gerações; como vós sois, assim será o estrangeiro perante o Senhor. A mesma lei e o mesmo rito haverá para vós outros e para o estrangeiro que mora convosco (Nm 15.15-16).
De novo, como é que fica? A resposta ao aparente dilema será mais fácil se, em vez de comprar a pergunta por atacado, colocarmos a questão na moldura certa. De fato, o problema não está no imigrante nem na fronteira, mas na governança e nos governados. O dilema é moral, não biológico nem cultural. Poythress levanta uma questão pertinente: qual a diferença natural entre os de dentro e os de fora? E mais, o que é “natural” ? (Redeeming Sociology, 182.) A imigração para o Brasil trouxe, de diferentes culturas muita comida boa: pão de ló, bacalhau, pizza, sashimi, kibe, strudel e daí em diante. Não fez senão boa diferença na sociedade. Os efeitos do pecado, sim, causam mudanças para pior. Nesse sentido, a herança do pecado de indivíduos muda a nossa vida. De modo maior, a herança de idéias pecaminosas muda ainda mais a sociedade. A idolatria individual é extremamente nociva ao indivíduo e ameaça a comunidade; a idolatria social é sumamente nociva ao indivíduo e ao coletivo. Por isso mesmo a Bíblia advertiu quanto às religiões estrangeiras.
A nova Lei de Migração (2017) contempla poucas coisas em muitas letras, as quais abrem caminho para boas considerações. Uma delas é a da motivação subjacente. Outra é a questão de se a promulgação de uma lei assegura a transformação moral social do ser humano. As ocorrências de Roraima mostram que a lei de proteção do imigrante não mudou os marcos do coração pacaraimense. Certamente, a globalização facilitou e tornou mais atraente a migração que hoje é discutida em todo o mundo. No seu bojo, porém, vieram idéias, muitas boas e muitas estapafúrdias. De um lado, a nobre defesa do necessitado; do outro, a defesa torpe do contrário, isto é, do bandido, do ladrão de terras, do invasor de casas, do assassinato de bebês, do desenfreamento sexual, do desarmamento do homem de bem e do armamento do homem mau, da proteção do animal mais do que do homem, da imigração sem telhado nem beiral e daí em frente. Nossos governos não promoveram infraestrutura legal ou física para a recepção de imigração em massa.
A Bíblia estabelece leis sobre essas coisas, como, por exemplo: Quando edificares uma casa nova, far-lhe-ás, no terraço, um parapeito, para que nela não ponhas culpa de sangue... (Dt 22.8); Das cidades, pois, que dareis aos levitas, seis haverá de refúgio, as quais dareis para que, nelas, se acolha o homicida... (Nm 35.6). Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo (Ex 20.17). Como essas, há muito mais que, submetido a bom tratamento hermenêutico (cf. o Sermão do Monte), dará à igreja um parâmetro para influência como luz e sal da sociedade.
Assim, fica aí uma moldura sobre a qual meditar. Se o estrangeiro for amigo, a gente o recebe em casa. Se for inimigo em termos pessoais, nós o amamos sempre e nos dispomos a ajudá-lo, como a qualquer um da terra. Caso seja alguém faccioso que não tome tento depois de admoestado, não precisaremos conviver com ele (Tt 3.10). Amar, nesse caso, não é gostar, mas fazer o bem. Se o estrangeiro for inimigo de Deus, então, não deverá ser recebido em casa. Finalmente, se ele for uma ameaça à nação, seu caso terá de ser bem estudado. O crente bem avisado terá de tomar uma posição de testemunho, e, se não souber como proceder, deverá buscar o auxílio da igreja e dos seus grupos especializados. Aqui, cuidado para não acreditar em indivíduos que saíram de nós, mas não eram dos nossos, os quais pervertem casas inteiras.
Para todas essas coisas, muita oração.
Wadislau Martins Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário