Ainda que seja um dito antigo, esse da boca para fora a gente entende. É fala sem crença com gosto de desinteresse, de falta de sentimento, de hipocrisia mesmo. Há, contudo, um outro de fora da boca, dito do coração do Senhor, a que deveríamos atentar: “não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem (Mt 15.11). Sim, os lábios de Jesus são firmes e sua língua é severa quando se trata de boca e coração: “O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6.45).
Nos tempos do meu retorno à escola, em Filadélfia, ouvi umas lamúrias de um crente fraco e me deixei tomar de dó. Não hesitei, e fui falando: Eu dou uma oferta. Pulou da boca que nem soluço. O cara era abastado, chorão e pidão, e, eu, um raspador de moedas do fundo do cofrinho; um agradador inveterado. Tive de cumprir a promessa, claro, afinal, honestidade é essencial. Honesto, sim, mas muito boca mole. Você diria que sou coração mole? Engano. Antes fosse. Fui boca mole e paguei para aprender.
Se tivesse compreendido a fala do Sábio de Provérbios, teria salvado os meus $100! Teria redimido mil outros valores do coração! Muitos pensam que há sabedoria em Pv 4.23: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida”. De fato, é sabedoria que transborda. É um daqueles axiomas assumidos como paradigmas para o aconselhamento bíblico. A coisa é que as partes que transbordam são tão importantes como o conteúdo inicial. A fonte e rio mantêm a mesma relação da teoria e a sua implementação. Considere o restante do texto:
Desvia de ti a falsidade da boca e afasta de ti a perversidade dos lábios. Os teus olhos olhem direito, e as tuas pálpebras, diretamente diante de ti. Pondera a vereda de teus pés, e todos os teus caminhos sejam retos. Não declines nem para a direita nem para a esquerda; retira o teu pé do mal (Pv 4.24-27).Quem é um pouco mais velho há de lembrar-se das reuniões infantis nas quais se cantava: cabeça, ombro, joelho e pé … Olhos ouvidos boca e nariz… Na igreja, ensinavam as crianças, acrescentando: louvemos ao Senhor. Nós, e os pequenos, ficávamos com a ideia de que louvar é cantar, bater palmas, balançar os joelhos, e pestanejar. Isso jamais será transbordamento de águas vivas—quando muito, um vazamento perigoso.
Água viva que corre do coração é a que jorra de uma boca submissa à verdade de Deus e cujos lábios confessam o nome do Senhor, segundo a Escritura. Falam a verdade em amor “porque somos membros uns dos outros”. Águas que correm dos olhos fixos no Autor da nossa salvação e cujas pálpebras estão abertas à divina esperança. São tão fortes essas águas que forçam as pernas nas “veredas da justiça por amor de seu nome” e conduzem-nos nos caminhos retos. Enfim, os poderes que procedem do coração deveriam nos motivar ao bem e, jamais, ao mal. Deveriam partir de uma cognição transformada em Cristo para um comportamento digno da obra que o seu Espírito opera em nossa vida.
Você já ouviu o lamento: todo mundo fala das pingas que eu tomo, mas não vê os tombos que eu levo? Pois é, cada trambolhão! Em sala de aula, décadas atrás, discuti com um professor sobre os modos da verdade e da mentira. O professor era John Frame. Advinha quem estava certo? De outra vez, confrontei Udo Middleman, genro de Francis Schaffer, acerca de sua visão sobre trabalho e recompensa. De novo, enfiei os pés na boca. Logo que comecei os estudos de pós graduação, exibi meus parcos livros, em uma língua que não conheciam, a David Powlison e Ed Welch. Você nem precisa ficar com vergonha alheia. Conto essas minhas vergonhas para não revelar as muitas que já testemunhei, e para abrir os olhos do leitor. Como disse o saudoso presbítero Filemon Cruvinel, se todos nós sentirmos vergonha juntos (mais ou menos isso), a gente ri, e pronto. E digo mais, a gente confessa a vergonha e abandona as águas do pecado, as quais apodrecem o coração de boca suja. As águas novas, chuvas de “bênçãos nos lugares celestiais em Cristo”, lavam e purificam o nosso coração. Lavam e purificam com o sangue de Cristo por meio da confissão e com a água da Palavra por meio da operação do Espírito.
É de menino que se torce o pepino, diziam, e eu nunca entendi bem esse negócio, mas tem algum sentido. Se for criado um bom gosto pelas veredas em que deve andar, isto é, por meio de um exemplo de verbo e vida, sem provocação de ira, a criança não se afastara do caminho. Faz bem, então que aprendamos com elas: “Cuidado boquinha o que fala … Cuidado olhinho o que vê … Cuidado pesinho onde anda…” e, ao dizer que “o Salvador está olhando pra você”, deixe o tom de ameaça e lembrem-nas da confissão e do perdão.
Isso, sim, é água na sede!
Wadislau Martins Gomes
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