Nestes últimos tempos, vimos
morrer vários amigos queridos, servos de Deus empenhados em sua obra. Às vezes,
pensamos que farão falta e que jamais serão substituídos. Esquecemos que Deus
não leva os seus filhos para o céu até que sua obra esteja completada na terra.
Em conversa com queridos de longa data, lembrávamos que, na última vez em que
estivemos juntos, em Brasília, a Gode estava junto. Ela viu minha luta com um
fogão cuja porta de forno teimava em não ficar fechada e, no dia seguinte, mandou
entregar em casa um fogão novo. Ela era assim—observava as necessidades do povo
de Deus e, quando era algo que podia resolver, fazia isso com alegria, sem
alarde, sem cerimônia, com muito amor! Ontem fez um ano que ela faleceu.
A última vez que vi Regina,
amiga lá de B.H., foi numa formatura do Andrew Jumper. Exuberante, ela mostrava
a alegria da música e dos netos. Certamente hoje canta no coral celestial.
Servos do Senhor, mais velhos,
como Ary Veloso, nosso professor e encorajador do trabalho; outros, mais novos
do que Wadislau e eu, que foram também seus alunos ou por ele estimulados ao
ministério, como Carlos Osvaldo e Dídimo, Paulo Solonca, foram ceifados antes de nós. Todos esses tiveram
ministério impactante na igreja de Jesus Cristo em nossa terra. Vários
presbíteros—com os quais Wadislau mais contava nas igrejas pelas quais passamos—morreram
cedo: Adilson, Péricles, Filemon, Ortêncio. A maioria, devastada doenças com
que conviviam por alguns anos. Alguns pensavam ter vencido totalmente a doença
implacável, quando de repente ela voltou com força e os derrubou.
Fato é que, à medida que
envelhecemos, alguns de nossos amigos e colegas também envelhecem, e alguns
completam o número de seus anos. É triste quando alguém tem a vida ceifada por
acidentes ou incidentes violentos. A vida é tênue. Está por um fio de prata. Erva
seca e cai a flor.
O que “resta” depois dessa
ceifa terrível aos olhos dos que não têm esperança, é, olhos dos que confiam no
Senhor o cumprimento da esperança de estar com Cristo. Para todos, permanece a
dor, pois a morte é o aguilhão do pecado.
Nessas experiências, há órfãos
de pais, filhos, amigos — e de cônjuges. Este último, um estado comum a muitas
pessoas, para o qual poucos se preparam: a viuvez.
A Bíblia conta que Tamar ficou
viúva de um homem perverso, Er (Gn 38.7), e foi-lhe dado segundo casamento com
Onã, que não quis prover descendência a seu irmão, e também morreu. O sogro, Judá,
não querendo que seu filho, Sua, passasse pela mesma condenação de morte, negligenciou
os direitos da nora viúva. Tamar tomou nas próprias mãos a justiça nessa
circunstância adversa, concebendo, do sogro enganado, aos gêmeos, Perez e Zera.
A despeito dos pecados de seus pais, Perez foi escolhido por Deus para ser antepassado
de Jesus.
Outra viúva, que teve grande
impacto no relato bíblico, foi a moabita Rute, cujo marido Malom morreu na
terra de Moabe. A sogra, Noemi, achava que a viuvez era um castigo de Deus,
amargura da vida, e, quando voltou a sua terra de origem, Belém, Rute insistiu
em acompanhar para ajudá-la. Ali, além de pão, Rute encontrou um parente
remidor, Boaz, que se tornou seu esposo, antepassado do rei Davi e finalmente
de Jesus Cristo.
Os retratos de
viuvez, na Palavra de Deus, falam de perda e sofrimento, mas com a
possibilidade de serem transformados em ganhos e glória, dependendo da
intervenção de Deus na história dessas vidas. Deus ordenou a seu povo, especificamente,
que jamais maltratasse ou desprezasse o órfão ou a viúva (Dt 10.18; Sl 68.5) — numa
sociedade em que os homens dominavam os bens, muitas vezes ficavam
desamparados.
Quando o profeta Elias enfrentou
a seca e a fome, em Israel, Deus o sustentou por meio de uma viúva palestina,
de Sarepta. Na casa mais pobre de um povo desprezado (1Rs 17.9 ; Lc 4.26) Deus
abençoou o lar com fartura de óleo e farinha e devolveu a vida ao filho que
morreu!
No Novo Testamento,
vemos que os viúvos não eram desprezados, as viúvas crentes eram cuidadas e
honradas pela igreja que instalou diáconos por causa delas (At 6.1;1Tm 5.3). É
cerne da religião verdadeira, visitar os órfãos e viúvas nas suas tribulações e
guardar a si mesmo incontaminado do mundo (Tg 1.27). Paulo tinha sugestões:
“Aos solteiros e viúvos digo que permaneçam como eu...”. Mas admitia que se
casassem (1Co 7.8-17), especialmente às viúvas mais novas (1Tm 5.14).
Foi o caso de
Idelette, em meados dos anos 1500, cujo marido morreu na perseguição religiosa de seus
tempos. Membros da igreja de João Calvino, o reformador solteirão viu nela uma
mulher exemplar; casou com ela e teve-lhe muito amor, cuidando de seus filhos
mesmo depois de Idelette ter falecido (1Tm 5.3). A Bíblia recomenda que viúvas
jovens casem-se novamente.
Na vida cristã de nossos dias,
é possível que enfrentemos desafios imprevistos que jamais desejaríamos — e devemos passar por
eles com sabedoria e gratidão no coração. É o caso de alguns viúvos e viúvas
que conheço em Cristo (usarei pseudônimos daqui para frente). Margaret era
casada com um líder cristão que despontava na política em seu estado, como foi Daniel
na Babilônia. Ele morreu em acidente automobilístico, três quadras de sua casa,
deixando filhos de seis e três anos. Alguns meses mais tarde, a menina de seis
anos chegou para um moço solteiro de sua igreja e perguntou-lhe: Você não casa conosco e fica com mamãe para
ajudar a nos criar? O amigo ficou surpreso com o pedido, mas, convivendo com a
família, na igreja, viu que a mãe era uma mulher piedosa, além de bonita e
inteligente. Acabaram se casando e formando um novo e bonito lar. Outra mulher
que conheço ficou viúva quando ainda grávida da primeira filha. Seu jovem
marido era líder nacional de mocidade e sua morte causou imenso impacto na
igreja. Um irmão na fé casou-se com ela, assumindo não somente a viúva como
também a filha que criou junto dela com os filhos que vieram a nascer desse
enlace. Hoje é uma família cristã de valor para o corpo de Cristo.
Outro casal conhecido, que serve ao Senhor é
composto de uma ex-viúva e um pastor que hoje é exemplo para milhares de casais
pelo Brasil a fora.
Quando a morte finda
a vida comum, para o viúvo ou viúva mais
idosa, às vezes, é difícil pensar em um novo casamento. Poderá haver
expectativas diversas, de novas uniões abençoadas ou estagnadas. Talvez seja
difícil para a pessoa tenha vivido junto a alguém por trinta, quarenta anos,
relacionar-se bem com outra. Se o casamento foi feliz e equilibrado, a pessoa
viúva entrará num novo casamento com amor e disposição de fazer o bem ao
cônjuge. Um viúvo conhecido disse que só casaria novamente se a pessoa
aceitasse bem suas filhas, amasse o Reino de Deus e missões, e fosse generosa e
desprendida das coisas materiais. Encontrou uma viúva de coração missionário e de
disposição amável, e seu novo casamento será bênção como foi o primeiro. Outro,
escolhendo somente com base na juventude e beleza, casou-se com alguém da idade
dos filhos, sem experiência da vida cristã.
Uma nova esposa do tipo do
primeiro exclamou: além de ganhar o fulano, ganhei nove netos! Que bênção! Ela
vê a vida como dom de Deus e não conta as perdas passadas como sendo peso!
A liberdade em Cristo em
relação ao novo casamento de viúvos é imensa, mas tem um porém: “se falecer o
marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor”. Os
casados têm de cuidar dos interesses do outro acima dos seus, e os viúvos já
têm histórico e bagagem de muita coisa. Será sempre loucura, para solteiros e
viuvo0s casadouros, fazê-lo sem que o Senhor Jesus edifique o lar. Conheço um
casal de ex-viúvos, ambos crentes em Jesus, que não deixaram as amarras da vida
pregressa para se casarem e, nisso, não permaneceram na entrega e submissão ao
Senhor Jesus. Ela não aceitava os filhos dele; ele queria manter em tudo o
estilo de vida da falecida — o novo casamento foi cheio de problemas e
indisposições. Um casamento no Senhor exige vida de quem está em Cristo ser
nova criatura, não permitindo que as coisas velhas moldem e mofem a nova vida.
Uma irmã amada era
exemplar na paixão mútua d o casal. Ele morreu depois de intensa luta contra o
câncer, e eu pensei que ela jamais se recuperaria da perda. Ela se encontrou com
um velho amigo da família, o qual também havia perdido a esposa de forma
trágica, e, em pouco tempo, casaram-se, e estão usufruindo juntamente os anos da
maturidade. Têm a admiração e o amor dos filhos de seus casamentos anteriores,
no respeito ao que tinham antes e na alegria quanto ao que têm agora, no
Senhor.
Lembro-me de
Elizabeth Elliot, cujo primeiro marido foi morto pelos índios Auca, em 1956,
quando ela era jovem missionária e mãe de menina pequenina. Casou-se, alguns
anos depois, com outro pastor — só poderia casar com alguém que tivesse a mesma
visão cristã, e viveram muitos anos juntos, ate que ele morreu. Novamente
viúva, Elisabeth casou com mais um servo de Deus, que cuidou dela até ela
morrer, no ano passado.
Voltando aos amigos
viúvos e viúvas que ficaram assim nos últimos anos, alguns já começam a
despontar um novo relacionamento; outros se envolveram no trabalho missionário
ou na vida com os netos ou pais idosos de modo que não tem espaço para outro
cônjuge. Outros mais, não têm expectativas futuras bem claras. Fato é que cada
caso é um caso. Não podemos dizer categoricamente: um novo casamento não deve
ser procurado, nem que tem de ser procurado novo casamento. Cada pessoa é
diferente e reage de maneira diferente ao que aconteceu em sua vida. O que une
a todos é a cláusula “no Senhor”. No
Senhor Jesus, a vida e a morte são dons preciosos, e podem ser experimentados
para a glória do Senhor ou para a desonra própria e do nome Santo. O resultado
de um é alegria para os seus filhos e para si mesmo. O resultado do outro, é o vazio
e inglória para todos os envolvidos.
Sou grata a Deus por uma vida
junto de meu marido há mais de 50 anos, e acho que esta será a única de minha
existência. “O Senhor tem um plano para cada criatura”, e creio que esse foi o
que ele traçou para mim; para outras pessoas, ele poderá conceder que
experimentem a felicidade muitas vezes. Sou grata a Deus porque alguns de meus
amigos que sofreram perdas aparentemente irreparáveis estão refazendo as suas
vidas com novidade sobre as antigas experiências. Que Deus nos dê a graça de
desenvolver nossa salvação com tremor e temor, quer vivamos ou morramos,
sejamos do Senhor, que faz em nós tanto o querer quanto o realizar! (Fp
2.12-13).
Elizabeth Gomes