Duas razões pelas quais deixei
passar uns dias do impacto para abordar o assunto do provável suicídio de um
irmão: em respeito à dor dos que lhe foram próximos, e com respeito à lembrança
de minha própria dor. Tive de lidar com meu próprio coração diante de eventos
semelhantes ocorridos na família natural e na família da fé. Ansiei por
respostas para questões próprias de criaturas criadas para a eternidade e
submetidas ao temor da morte (Ec 3.11). Respostas às minhas dores e dúvidas, e
respostas de consolação para os que foram abandonados, feridos da morte de
alguém. Nossa alma grita uma e outra destas dores: Oh! Meu Deus!? Pode, um
crente, cometer suicídio? Era salvo? Perdeu a salvação? E eu, como fico diante
do testemunho do evangelho aos fracos e aos perdidos? Será que falhei para com
ele? Será que Deus falhou?
De todas essas, a interrogação
que poderá, ou não, ser altruísta talvez seja a primeira. As demais tendem a
ter mais conosco mesmo. De fato, nossas perguntas imediatas poderão cuidar mais
de nossa fé do que da fé de quem tirou a própria vida. Deus, contudo, quer que
o amemos sobre todas as coisas e, ao próximo, como a nós mesmos. Alguém disse,
com razão, que ninguém pode julgar o coração de uma pessoa – só o Espírito de
Deus e o do indivíduo poderão conhecer o seu íntimo (ICo 2.11). Neste caso,
lembremo-nos de que o Senhor é Deus de vivos, não de mortos (Lc 20.38), e ele
quer que cada um de nós esteja prevenido para não cair em tentação e para
ajudar a outros (1Co 10.12; MT 26.41).
Assim, eis alguns pontos
cruciais:
·
Tirar a
própria vida em função de desespero é um pecado de desamor e de ingratidão em
relação a Deus, e de falta de amor e de desprezo pela vida dos outros. Ao
contrário, dar a própria vida por amor de alguém é uma suprema validação do
amor. O exemplo supremo e de significado único é o do Senhor Jesus que,
espontaneamente, deu a sua vida por amor de nós (Lc 10.18). Seu amor jamais
falha e a morte dos seus santos é o cumprimento da promessa (Jo 11.25).
Em termos humanos, há o exemplo de Sansão (Jz 16.28-30), cuja morte
cumpriu o juízo de Deus. Há, também, o exemplo do apóstolo Paulo, que tinha o
desejo de partir para estar com o Senhor, mas, por amor dos irmãos, escolhia
ficar (Fp 1.23-24).
·
O Senhor
Jesus é o vencedor da morte, e, isto, em dois sentidos: (1) ele morreu para a
redenção dos eleitos e para a condenação dos ímpios; e (2) ele ressuscitou para
conceder vida eterna aos que são seus. Isso significa que nossa vida eterna
está nele e nada, nem ninguém, a poderá tirar, seja algo seja alguém seja eu
mesmo (cf. Rm 8.33-39), pois ele nos justificou de todo pecado, incluindo o do
suicídio ou o da falha em ajudar a alguém com tendência suicida.
·
De algum
modo, o suicídio está ligado à depressão, mas não poderá ser reduzido a uma
experiência psicológica. Como disse J. Black (CCEF), pensamentos e experiências
afetivas que finalizam na decisão de cometer suicídio procedem da mesma fonte
que a depressão leve, isto é, o coração (Pv 4.23). Não podemos nos esquecer é
que todos os nossos pensamentos e afeições giram em torno do tipo de
relacionamento que temos com o Senhor. Assim, quando pretendemos fazer cessar a
dor ou o sofrimento – desapontamento, abandono, perseguição, culpa, ira, medo,
perda, e daí em diante – por meio outro que usurpe o senhorio de Cristo,
soberano sobre o nosso querer, sentir ou pensar, simbolicamente já atentamos
contra a própria vida.
·
Um ato de
suicídio poderá estar ligado a formas mais severas de transtornos afetivos,
cognitivos e ou biológicos. Ainda aqui, temos de manter em mente que a pessoa é
singular, e que os diversos aspectos da alma interagem no homem interior e se
exteriorizam e finalizam nos atos do corpo. Consequentemente, as afeições do
coração – expressadas em pensamentos, sentimentos e comportamentos – são
experimentadas em termos químicos hormonais nos processos orgânicos. Abuso de
drogas poderá produzir pensamentos suicidas; até mesmo, remédios receitados
poderão modificar os processos mentais. Onde isso nos leva? Tanto ao fato de
que as coisas que sentimos, pensamos e atuamos na mente ou no corpo, poderão
alterar nossa disposição física, quanto ao fato de que nossa disposição física
poderá alterar o nosso equilíbrio interior. Nessas situações, haverá
necessidade de intervenção especializada, de conselheiro e de médico (às vezes,
com urgência). Note que, uma vez que nossa vida está guardada em Cristo, será
importante que o cuidador professe uma cosmovisão cristã, podendo contar com o
auxílio de não cristãos providos pela graça comum para o caso de socorros
emergenciais.
Estando cientes, portanto, do
perigo envolvido nesta matéria, o cristão deve estar atento a alguns sinais (J.
B. CCEF): (1) pensamentos repetitivos sobre terminar a própria vida, como única
maneira de escapar à dor e ou ao problema; (2) uma visão de si mesmo que não
inclui a habilidade de tolerar intensa pressão e ou dor interna; (3) um senso
de isolação ou abandono acompanhado da crença de que outros significantes não podem,
não querem ou não fornecem apoio, conforto ou cuidado; (4) sentimentos de
desesperança, acompanhado da crença de não pode achar solução de um problema;
(5) sentimento de dor psicológica, que parece intolerável, a qual a pessoa
relaciona à sua incapacidade para satisfazer suas necessidades sentidas.
Além de solicitar auxílio de
alguém com especialização em áreas da ajuda humana, o que uma pessoa regenerada
poderá fazer para auxiliar alguém que mostre sinais de ameaça à própria
vida? Primeiro, despertar esperança e responsabilidade por meio de confiar
nela acerca de uma ação objetiva (p.e., “Prometa-me que você não fará nada que
o fira e, se estiver sob essa tentação, ligue-me e espere-me”). Quando esse
alguém estiver em condições de conversar, alimente a conversa de maneira
sensata e amorosa. Não tente argumentar; faça perguntas que demonstrem as
contradições e falsidades do seu autoengano. Conduza-o a desassociar as noções
de dor e de necessidades sentidas; lembre-lhe de como Jesus suportou a dor como
suprimento para a nossa verdadeira necessidade. Em uma intervenção pessoal,
leve em conta que a redução realista do nível de sofrimento poderá mover a
pessoa a escolher a vida (p.e., quando uma pessoa querida, cujo filho havia
suicidado, perguntou-me: A dor não passa? respondi-lhe: Não, a dor
não passa, mas a promessa de Deus é que ele aumenta a força dos ombros para que
a possamos suportar – 1Co 10.13). Finalmente, mantenha em mente que é a
Palavra de Deus, e não a sua, e que é o Espírito Santo, e não você, que são os
poderes que Deus usa para, por meio de você, alcançar o coração do outro.
Ao considerar o tema do suicídio,
a pessoa regenerada terá de manter os ouvidos atentos às palavras de Paulo:
Porque não queremos, irmãos, que
ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi
acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida (2Co
1.8).
Somente o Senhor tem a última
Palavra sobre alguém que tirou a própria vida. Somente o Senhor sabe sobre
salvação ou perdição de uma pessoa. Somente o Senhor conhece as profundezas das
afeições que moveram alguém ao suicídio. Nós, os sobreviventes, somos instados
a cuidar de nós mesmos e da doutrina, e a cuidar uns dos outros. Ah! Que eu
faça isto, em humilde oração!
Wadislau Martins Gomes
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