A MULHER DE
PROVÉRBIOS 31
E OS DESAFIOS DA POSMODERNIDADE
Ouvimos falar
e estamos cercados de afirmativas e denúncias quanto à posmodernidadade, mas
muita gente tem dificuldade para dizer exatamente o que é. Eu havia estudado a
matéria do ponto de vista do cristianismo, no CPAJ, mas meu marido apontou-me
um livro que esclareceu e provocou mais considerações sobre o assunto. Peter Leithart, em Solomon among the Postmoderns, define posmodenidade como em “conjunto surpreendente de mudanças
culturais e políticas não relacionadas que marcaram as últimas décadas do
seculo XX e a primeira década do século XXI”. Diz ele que o colapso da política
bipolar da guerra fria, a globalização das transações, o estabelecimento de uma
ditadura cultural política, a explosão do fundamentalismo islâmico, “a
descoberta tardia do domínio do cristianismo no hemisfério sul, e a dissolução
das barreiras denominacionais entre igrejas pós-reformadas”, a rápida
disseminação de tecnologias de informação; a imposição de propaganda,
entretenimento e cultura pop como sendo
a cultura, novas tendências na
imigração e urbanização, as mudanças a elas relacionadas, tais como se referem
os teóricos “sobre conhecimento e linguagem, o EU (self) e o poder...”
Minimizamos essas mudanças porque em todos os
momentos da história sempre houve mudança, e quase sempre é possível encontrar
algum precedente para o presente no passado. A posmodernidade é Babel, uma
confusão de línguas que segue inevitavelmente a tentativa da modernidade de construir uma torre universal
que eleve ao céu. Na babel posmoderna, estamos sempre nos chocando com
estranhos que não falam nossa língua, não partilham nossa história ou cultura. A
maioria das mensagens que recebemos implica esforços tanto para comunicar informação
quanto para excitar, empolgar, e reduzir a felicidade a um ramo da indústria de
diversão. Tudo é anônimo, tudo é manipulação, e todos os esforços egoístas nos tornam
para uma direção qualquer. Temos a
aspiração de manter o controle, vencendo o tempo com imagens supervelozes
vencer – quando, gnosticamente, não o
negamos. Lidamos com bens “soft” de software, valorizamos bens culturais e
serviços, shows onde limites são contestados e/ou ignorados e, ao transpor e
aniquilar todas as barreiras, encontramo-nos sem chão em que firmar, sem
limites que nos protejam, em um não lugar em que tudo é relativo e nada é real.
Ao mesmo tempo, exageramos as mudanças porque estamos falando de nossa vida, e
queremos que isso seja importante ou tenha significado. Precisamos de algum
equilíbrio histórico: embora sempre estejamos vivendo “tempos de transição,” alguns
tempos são, na verdade, de maior transição
que outros. Parece que estamos em um desses tempos.
A pósmodernidade é a vingança do vapor, o reconhecimento
do fracasso da modernidade que abraça a fragmentação e dissolução da política, da
linguagem, da vida, e do próprio ser. É um nó de incrementos culturais,
filosóficos e sociais, surgidos de intensificações, inversões, desmascaramentos
da modernidade, que desafiam, duvidam e rejeitam a trindade moderna de
controle, libertação e progresso, tentando “esculpir” neblina mutável do mundo.
Escrito quase mil anos antes da era cristã, o
livro de Eclesiastes descreve bem esses conceitos da posmodernidade. Isso não
surpreenderia a Salomão, que veria nosso senso de desorientação e frustrada
falta de controle, não como o “fim da realidade”, mas um despertamento para a
realidade como ela sempre foi. Seu tema poderia ser chamado “A insustentável
leveza do ser”—titulo de uma obra de autor posmoderno atual—mas Eclesiastes
1.1-3 e 12.8 falam da vaidade (hebel) como “vapor” e “sopro” (ver Pv 21.6; Sl 39.4-11; Jó 7.16). É a
efemeridade da existência humana. No Novo Testamento, Tiago afirma: “Vós não
sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina
que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4.14)
Voemos até Provérbios 31.10-31 (também
compilado por Salomão). O Koheleth, o
rei-pensador mais sábio sobre a face da terra, deixou-se perder pela idolatria
de suas múltiplas mulheres. Quando escreveu o acróstico da mulher virtuosa, em
que cada versículo segue a ordem do alefbeit
hebraico, ele fala do padrão de força, diligência, organização e compaixão de
uma mulher singular, a mulher segundo o coração de Deus, que teme ao Senhor, e
por isso será louvada. Isso foi dito também com respeito a Rute (3.11): “Meu
povo sabe que és virtuosa”. E Provérbios 12.4 afirma que a mulher virtuosa é
coroa do marido. Aqui, não temos tempo de fazer estudo detalhado das
características da mulher excelente, mas ressalto que ela é louvada pelo que é,
pelo que faz, e que permanece em um mundo onde tudo é mutante e desvanecente.
Ela teme ao Senhor—portanto, não tem nada a temer dos homens (ou de outras
mulheres).
A mulher geradora, provocadora e proporcionadora
de relacionamentos no macro e no microcosmo em que está inserida, perdeu, com a
Queda cataclísmica, o jardim, o relacionamento consigo mesma, com o próximo, e
com Deus. Tem em sua tessitura forte fibra, flexível espinha dorsal, entretecida
de existência efêmera, leve e transitória. Para não se caracterizar pelo que é virtual, descrito como “redes e laços, cujas mãos são grilhões” (Ec 7.26),
ela tem de se revestir de virtude
eterna (cf. 1Pe 1.3-5; Fp 4.8), lembrando sempre que tem este tesouro “em vasos
de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7).
Como viver de maneira virtuosa em um mundo
virtual? Para uma resposta sábia, os cristãos precisam
examinar com mais cuidado o que realmente está acontecendo ao redor. Precisamos
de conhecimento, discernimento e firme resistência. Foi essa a oração do compilador
dos livros de sabedoria: “Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo para
julgar a teu povo”. Pedro escreveu a crentes que foram expulsos de seus lares, e
eram forasteiros em um mundo em transição, espalhados por toda a terra,
entristecidos por diversas provações. Lembrou-lhes as palavras de Isaías sobre
essa condição passageira: “Seca-se a erva, e cai a sua flor, a palavra do
Senhor, porém, permanece eternamente” (Is 40.6-9; 1Pe 1.23-25). E em sua
segunda epístola, ele diz que pelo poder de Deus todas as coisas que conduzem à
vida e à piedade nos foram doadas pelo pleno conhecimento daquele que nos
chamou para a sua própria glória e
virtude (2Pe 1.3-10). Em um mundo virtual, eu quero a realidade da virtude
que nos torna coparticipantes da natureza divina!
Elizabeth Gomes
3 comentários:
Uma brisa suave o texto
Aquietamos diante de tantas teorias sobre tudo. Incentiva a ler mais a binlia.
Que texto rico: em poucos parágrafos, conteúdo para muita reflexão. Obrigada mais uma vez.
Olá Beth, que bom ler uma reflexão como esta. Obrigado por colaborar com a "demitologização" da mulher virtuosa na cultura brasileira. Bom trabalho.
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