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Allen Ribeiro Porto
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Gomes, Wadislau Martins. Coração e sexualidade: entendendo Deus, a si mesmo e o outro. Brasília, DF: Refúgio, 1999. 108 p.
http://allenporto.wordpress.com/2012/03/19/livros-bjc-coracao-e-sexualidade/
Livros BJC: Coração e sexualidade – Posted on march 19, 2012
Desde que comecei a ler materiais do CCEF, do tipo Paul Tripp e Ed Welch, tenho apreciado demais esta proposta de aconselhamento, bem como ficado surpreendido com a fidelidade à Escritura. O encanto com o “material de fora” é bom: Tripp, Welch, Lane, etc., são ótimos autores, e as editoras que os publicam estão de parabéns. Mas há coisa do mesmo nível publicada originalmente em nossa língua, como esta obra do Rev. Wadislau Gomes.
O
autor é um dos pastores da Igreja
Presbiteriana Paulistana (IPP), e professor visitante do Centro
de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ). É doutor em ministério [pelo
Reformed Theological Seminary (Jackson, Mississipi, EUA) e Centro de
Pós-Graduação Andrew Jumper (S. Paulo)]. É também fundador do Ministério
Refúgio, que trabalha na área de aconselhamento bíblico. Fico especialmente
impressionado com sua escrita poética e criativa, demonstrada na obra em
questão, e regularmente no seu blog, o Coramdeo
Comentário.
O
Rev. Wadislau usa um tema instigante para tratar um ainda mais profundo. O
título pode enganar os desavisados – apenas um livro sobre sexo? Desde o início
vem a resposta:
Este
é um livro sobre a identidade humana. A sexualidade humana é uma forma de
conhecer a unicidade e a pluralidade de Deus, a fim de refletir Sua imagem e
semelhança. Sexualidade é mais que o ato sexual. É ser homem, ser mulher,
descobrir a si mesmo com único e ao outro como igual na humanidade. É
contemplar a Deus revelado na glória de sua graça e refleti-lo em fé até
transbordar do seu amor. (p.7)
Mais
do que sexo, o livro aborda uma interpretação do homem e suas nuances
relacionais a partir do ponto de referência bíblico. Trata-se de uma
ressignificação ou releitura do assunto, agora com novas lentes, que trabalham
melhor as complexidades do tema e do ser humano sem cair nos reducionismos
psicologizados.
O
Rev. Wadislau usa a estrutura Trinitária para nos apresentar a questão do um e
do múltiplo solucionada. As lutas com individualidade e pluralidade são
resolvidas na percepção adequada de Deus e sua consequente ação no mundo. Deste
modo é que o sexo é definido como “o relacionamento íntimo entre um homem e uma
mulher casados cuja finalidade é unir as diferenças e recompensar o amor”
(p.15).
Cada
capítulo envolve exemplos e histórias criativamente delineadas para levantar
discussões e apontar para uma resposta bíblica. Tal resposta entra em conflito
direto com as propostas terapêuticas levantadas, pois, segundo o autor, a
Escritura não pretende ser assim primeiramente, mas essencialmente redentiva –
“promovendo não a solução dos problemas, mas o conhecimento de Deus que
justifica e santifica com resultados de transformação e cura” (p.18).
Aqui
repousa o desafio. Um casal em crise deseja um comprimido que resolva imediatamente
o problema, enquanto é-nos apresentada uma proposta melhor do que “tapar os
buracos criados pela chuva no asfalto”: um recapeamento completo, promovido em
longo prazo e envolvendo o paciente e doloroso processo de retirar as
imperfeições da pista.
O
autor dialoga com quem pensou o homem e sua sexualidade. Nomes conhecidos como
Freud, Rogers, Frankl e Skinner são mencionados, e têm suas propostas, ainda
que brevemente, observadas e destacadas em seus acertos e erros. Uma boa
surpresa é encontrar Herman Dooyeweerd, filósofo cristão holandês nesta obra,
escrita em 1999. Isso indica que o Rev. Wadislau estava utilizando categorias do
fundador do pensamento reformacional há bastante tempo.
Categorias
importantes usadas por Gomes no material são as de perceber o homem como receptivamente
criativo e ativamente redentivo, conceito [de Van Til]
também utilizado na obra “aconselhamento redentivo”, de 2004.
Deus
nos fez receptivamente criativos e ativamente redentivos a fim de que
reconhecêssemos aquilo que há em comum em toda a natureza e, ao mesmo tempo,
nos reconhecêssemos diferentes no relacionamento que temos em referência Ele e
ao mundo. (Coração e sexualidade, p.28)
Somos
criados receptivamente criativos (habitação) e ativamente redentivos
(imaginação). A Escritura revela que nós experimentamos o mundo a partir das
afeições do coração – fé, esperança e amor – e que essas afeições se expressam
por meio da habitação no conhecimento, da imaginação desse mesmo conhecimento e
da operação do conhecimento. Assim, a fé, que inclui crenças e valores, e a
esperança, que inclui os modos formais para a solução de problemas, propõem-nos
uma base paradigmática motivacional para os atos humanos.
Esse ponto de partida paradigmático nos oferece uma definição da experiência humana quanto à elaboração do conhecimento. A principal motivação dos seres humanos reside no coração com seus afetosem relação a Deus ,
quer sob sua graça quer sob sua ira. Assim, a imaginação, vista biblicamente, é
holística, mola (como oposto a molecular), objetiva/subjetiva, genética/tácita
e socialmente condicionada, cognitiva, volitiva e emocional. (Aconselhamento
redentivo, p.117)
Esse ponto de partida paradigmático nos oferece uma definição da experiência humana quanto à elaboração do conhecimento. A principal motivação dos seres humanos reside no coração com seus afetos
A
compreensão do homem, na perspectiva do autor, também passa pelas categorias de
Criação, Queda e Redenção. Nesta seção do livro, conceitos como o de integração
e individuação são apresentados e nos ajudam bastante na jornada. Compreender a
integridade da criação, e a fragmentação gerada pela Queda histórica nos ajuda
a lidar com as dificuldades individuais e relacionais. A Redenção é o que
fornece esperança e graça para transformações verdadeiras e significativas. A
obra completa de Jesus na cruz é uma janela na história que promove impactante
virada.
O
Pr. Wadislau descreve com profundidade e singular compreensão os movimentos do
coração, e revela como perceber tal ponto fornece base para nosso trato com os
indivíduos, casais e comunidades.
Somos
caídos, e todos os nossos esforços para conseguir a individuação (integridade:
integração ou unidade com o propósito de Deus, inteiração ou unidade interior,
e interação ou unidade social) terminam em alienação da Fonte
da vida, em desintegração interior, e em separação exterior (relacionamentos
interpessoais). Não conseguimos explicar como amor e ira funcionam e vivemos
vencidos pelas contradições do nosso comportamento. Queremos amar, entregar,
olhar o outro primeiro, mas sentimento de que alguma injustiça foi cometida
(ira) nos assalta e vence. É a luta entre o amor que se entrega e o medo que
protege a pessoa de se descaracterizar na entrega. (Coração e sexualidade,
p.45).
Na
vida sexual, os movimentos do coração se conturbam em busca de uma resposta. Ha
o apelo do prazer físico, há a luta pelo poder, há o desejo de ser conhecido e
amado, há a tendência para a entrega e o medo da descaracterização, todas essas
coisas lutando dentro da pessoa e se reproduzindo em cada relacionamento.
(p.49)
É
aqui que os ídolos do coração aparecem, e promovem separação, em vez de
integração/individuação. Aspecto importante do trabalho de Gomes, é destacar o
amor como compromisso (p.51). Sua percepção foge dos lugares-comuns
influenciados pela escola do romantismo, nos quais o amor é visto como um
sentimento. Deste modo, é o compromisso que cria bons sentimentos, como
descreve (eu diria que o amor e a graça alimentam os sentimentos, e acredito
que o Rev. Wadislau concordaria com isso).
Outras
questões são contempladas nesse processo de reflexão sobre a sexualidade e a
identidade humana. O ensino bíblico sobre homossexualidade, questões genéticas,
racismo, masturbação e a intimidade exagerada no namoro. Como lidar com os
conflitos percebidos e os dilemas do coração humano? Um ponto básico é lançado:
“a graça do Senhor é nossa fonte de prazer” (p.58). Gomes aplica, então, o
quadro de referência da Criação-Queda-Redenção à leitura do problema, e com
tais lentes observa e trata a questão.
Em
lidar com “o outro”, Gomes fala do casamento e seu lugar no projeto Divino.
Aqui há um extenso e interessante diálogo com Cornelius Van Til, pastor,
teólogo e apologeta. O destaque central é a analogia da família com a Trindade,
e do casamento com a relação entre Jesus e a Igreja. Três movimentos no contato
com o outro são identificados: o de controlar, agradar e dominar, e um
interessante diagrama facilita a compreensão do assunto, mas novamente a ênfase
repousa sobre a redenção, e sobre a adoção como a resposta para o problema da
luta de poder: “Na redenção dos relacionamentos, o casal vive a adoção,
trazendo para o próprio coração o coração do outro; pondo na própria conta o
débito um do outro e refrescando-lhe o coração. (p. 70)”
Finalmente,
Gomes menciona o conceito de Teorreferência (à época, Teo-referência): “Na
verdade, não há outra forma de compreender a existência senão que Deus existe,
e nós somos seu reflexo. Somos análogos – Sua imagem e semelhança. Somos
teo-referentes. (p.73)”, e usa Cantares e Efésios 6 para nos dar perspectivas
de relacionamentos saudáveis, e aponta para Jesus e o evangelho como a fonte de
satisfação e saúde individual e coletiva.
Esta
ênfase nos movimentos e caminhos do coração demonstra uma apreciação mais
completa do homem, por não observar apenas comportamentos e tentar transformar
ambientes, mas lidar com os elementos mais íntimos do ser, e buscar uma
transformação que não pode ser operada por homem algum.
Recomendo
fortemente o livro a homens e mulheres em busca de uma
masculinidade/feminilidade sadia, casais em direção ao casamento, casais
casados, e líderes que de alguma forma se envolvem no aconselhamento.
Allen Porto
Um comentário:
Esse livro é maravilhoso! Recebi emprestado como recomendação do Ronaldo Vasconcelos. Um dia, conseguirei adquirir, se Deus quiser!
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