Quando morávamos em Filadélfia e Wadislau
fazia pós-graduação, trabalhei em uma biblioteca pública para ajudar com o
sustento de nossa casa. Ganhava pouco, mas tive oportunidade de aprender muito
com duas paixões: gente e livros (o que leva de volta aos dois grandes impactos
de nossa vida: pessoas e ideias). Conheci pessoas estimulantes, inteligentes,
que sempre faziam pensar mais. E pude ler livros que marcaram minha vida. A
biblioteca pública de duzentos mil volumes tinha cerca de seis ou sete
funcionários, e contava com a ajuda de vinte a trinta voluntários para fazer o
trabalho de catalogar, guardar e atender aos muitos clientes. Certo dia, um
voluntário da biblioteca perguntou à chefe se não havia algum livro ou revista
em língua portuguesa, a que ela respondeu: “A biblioteca só tem livros em
inglês, mas procure com essa assistente, que ela veio do Brasil” – e apontou
para mim.
Aí começou uma
grande amizade com Hugo e Carole Rosenau. Mr. Rosenau era judeu alemão que foi
preso e mandado para Auschwitz com
toda a família, incluindo a namorada, Carole. Apesar de ter visto dizimada sua
parentela, e todos terem sido separados e alquebrados pelos anos de campo de
concentração, sobreviveram, e, quando a guerra terminou, seus pais e a namorada
foram para os Estados Unidos. Hugo teve asilo no Brasil. Foi parar em Salvador, Bahia ,
por onze anos, antes de conseguir migrar para os Estados Unidos, onde
reencontrou os pais idosos e, noutro lugar, a não mais tão jovem namorada.
Casaram e estabeleceram família em liberdade.
Dizia Mr. Rosenau
que nunca se esqueceu da generosidade dos brasileiros que o acolheram, e queria
algum contato com coisas do Brasil. Elegeu a mim com minha família brasileira
para uma amizade singular. Eles nos convidaram para jantar em sua casa, para
celebrar Chanukah e ir à sinagoga em várias ocasiões. Sempre
nos presenteavam com pequenos gestos e grandes oportunidades culturais –
especialmente com entradas para assistir a apresentações de orquestras
sinfônicas, teatro e shows de diversos tipos. Pelo menos duas vezes por mês,
tínhamos essas saídas, às vezes junto deles, outras vezes, só para mim e meu
marido. Nós também os recebemos em nossa casa com refeições e gravações de
músicas brasileiras. Todos os dias, Mr. Rosenau ia visitar seu idoso pai (já
com 95 anos) na casa de repouso que ficava a um quarteirão de nossa casa, e no
trajeto, jogava em nossa varanda o jornal do dia (o New York Times e o Philadelphia
Inquirer), que acabara de ler (ele amava a literatura e o teatro) “para que
nós tivéssemos também a leitura das notícias frescas”. Carole me chamava para
ir à floricultura quando planejava acrescentar alguma muda ao seu jardim.
Hugo foi chamado a
Nova York para uma homenagem aos sobreviventes do holocausto, onde sua entrevista
foi filmada e sua história divulgada pelo mundo. O casal judeu reformado (a ala
mais liberal do judaísmo) na casa dos setenta anos, e o casal brasileiro
cristão reformado (o segmento mais ortodoxo do protestantismo) no começo da
casa dos quarenta anos, firmou amizade inesquecível.
Depois que voltamos para
o Brasil, tentei manter contato com eles, mas o cartão de Rosh Hashanáh que
enviei ao seu endereço voltou com carimbo de deceased – falecido. Nunca mais soube deles nem consegui os
endereços de seus filhos, que moravam na Europa e em Washington, para expressar
nossos sentimentos pela perda.
Nos nossos três
primeiros anos de ministério em Belo Horizonte, quando recém-formados, fomos
missionários entre os judeus. Contudo, o maior e melhor tempo que tivemos de
amizade com judeus foi em Elkins Park, Pennsylvania, com os velhos Hugo e
Carole. Eles ouviram o evangelho, mas nunca manifestaram interesse mais
profundo em Yeshua Hameshiah. Nós
orávamos por eles e falávamos sem forçar o evangelho goela abaixo. Só Deus sabe
se houve conversão no final – nós não víamos nenhum indício disso no tempo em
que andamos juntos. Mas sempre nos lembraremos dos Rosenau com carinho, como os
amigos generosos que foram conosco. Queria que nós, como cristãos comprometidos
com a abundante bondade e misericórdia de Deus (Ef 1.8), tivéssemos sinais da
generosidade que aqueles descrentes marcados pelo holocausto demonstraram a um
pastor presbiteriano estudante em terra estranha e a sua mulher assistente de
bibliotecária do Montgomery County, nos anos oitentas.
Elizabeth Gomes
3 comentários:
Lindo texto e linda história! Deus a abençoe!
Edificante! Essas pessoas têm muito qoue nos ensinar, em termos de superação, amizade, generosidade e perdão, nós em troca devemos ter os mesmos sentimentos e principalmente a pregação do Evangelho, que a Sra. fez de modo a não forçar uma aceitação e aceitando-os, amando-os, respeitando-os nas suas convicções. A Sra. e eles foram privilgiados por tão boa amizade.
As.
BETH,EMOCIONANTE.TOCA A ALMA PARA SERMOS CRISTÃOS COM REFERENCIA DA MARCA JESUS CRISTO.MUITO OBRIGADO PELA SUA VIDA E DO LAU QUE SEMPRE NOS INSPIRARAM.COM AMOR SAMYR.
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