sexta-feira, março 23, 2012

OUTRA DO TOTÓ: ÉTICA DE BALCÃO

Jânio Quadros, após a renúncia.
O então presidente, em 1961, teria dito, irritado: ponham todos os políticos na cadeia.
E alguém teria replicado ao presidente: e quem fecharia a cadeia?

Esta ele ouviu no trabalho: “A ética do judiciário deve prevalecer sobre...” Passou-lhe pela mente que haveria alguma ética sobrando por aí. Prevalecer sobre o quê? Sobre a ética do trabalho? Ética pessoal? Eta! briga de ética! Ficava vermelho de vergonha ao pensar que já havia usado a expressão da mesma forma. Ética é ética, siô! Isso aí deveria ser chamado de etiqueta. Não é que não exista coisa como ética aplicada a uma e outra atividade. O problema, como a gente chama lá no sítio, no Boturuju, é um de enxertia. Totó vislumbrou no pensamento o pegado, no pomar, em que o cavalo cresceu com o cavaleiro e pos limão e laranja.

A caminho de casa, o Dr. Juciliano vinha exercitando as ideias. Nada de ramerrão atlético, mas simples alongamento mental para alcançar as frutas do alto. Essa ética disso ou daquilo parece bom vitaminado de frutas, mas deixa gosto de sumo. É fruto de cavalo de mente aberta com enxerto de idiossincrasia. Tem aparência de pluralismo para agradar todo gosto, mas o travor na boca trai o absolutismo. Tem casca de democracia, mas os gomos são de autocracia. De sua parte, ele diria: “A ética tem de ser preservada especialmente no judiciário”. Há uma ética, uma só, da qual derivam todas as ações éticas. “O Deus que existe” – pensou – “é o tronco ético de que saem todos os ramos éticos. O tronco ético é o próprio Deus cujo ato de amor planta a semente de todo comportamento ético”.

Como Totó, ele apenas ouvia a lorpice e olhava o dono do dito enviesado, e, em vez de um ar de quem chupou limão, distribuía um amável sorriso de laranja madura. Julgava o dito e não o dito cujo. Isso era parte de sua nova ética, desde que fora enxertado na fé. O Deus que existe não é cavalo de enxertia, mas, antes, é o próprio gerador da vida, especialmente da nova vida. Em Cristo, o Filho – Deus mesmo – ele nos gerou como filhos para um relacionamento de amor. Por isso, ele também disse que em amar a Deus e ao próximo estava a totalidade da lei. Isso pensado, Totó voltou os sentimentos para a Cida e a Fiica.

Na volta a casa, meio que de costume, entrou na venda.

– Boa tarde, Seu Jaime.

– Boa, Dr. Juciliano. Como vai dona Aparecida? E a Fiica?

– Vão bem, graças a Deus. E os seus?

– Bem, graça a Deus.

Me vê aí o pão de sempre e um punhado de bala de laranja... ah! e um litro de sodinha de limão.

Já à porta, foi chamado:

– Doutor, o senhor deu dinheiro a mais.

– Ô cabeça. Muito obrigado, seu Jaime.

– De nada, é só obrigação.

Mais do que obrigação, pensou.

– Só por curiosidade, seu Jaime: o que é que faz o senhor dizer “graças a Deus” e a devolver dinheiro a mais?

– É meu feitio, Dr. Juciliano. Vem de berço. Depois, é o certo.

Totó lembrou-se do colega de trabalho: “A ética do balcão deve prevalecer”.  Fosse assim, poderia ser qualquer “ética”, institucional, situacional, social e muitos outros als e ais. Mas poderia ser também a ética cristã no balcão do armazém. Para que mentir ao amigo, se a união das mãos rege a boca? Para que roubar, se a prodigalidade de amor adoça a boca, mata a fome e dessedenta a alma? Para quem tem dúvidas quando a Deus, até que seu Jaime manda bem uma gratidão bem pesada na balança da honestidade. Vai ver que um dia ele atina com o motivo da sua ética.

Em casa, como sempre, Cida havia chegado antes dele. O cheiro do café tomava sala juntada à cozinha.

– Como foi o dia de aula, Fiica.

– Bom. Ah!, pai, eu tenho de fazer um trabalho sobre honestidade na política. Que é que quer dizer a expressão “os laranjas"?

Wadislau Martins Gomes

Leia o post inaugural, da Beth

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