quarta-feira, novembro 28, 2018

NA ESCASSEZ E NA PROSPERIDADE



Você, alguma vez, já mandou uma carta para Papai Noel? Outro dia, vi uma reportagem sobre a campanha dos correios, incentivando pessoas a doar presentes a crianças carentes as quais escrevem pedidos ao “bom velhinho”. Os correios se encarregam de levar os presentes para alegrar a vida das crianças. Além de pedidos clássicos de boneca, carrinho, um brinquedo "bem legal", um conjunto de roupas e sapatos, bicicleta etc., muitas cartinhas indicam carências mais profundas: material escolar, “comida aqui para casa porque meu pai foi embora e minha mãe não sabe como vai fazer”. Enquanto isso, nos shoppings, crianças pedem celulares da hora, videogames importados e notebooks personalizados, junto a listas cada vez mais sofisticadas de mais, mais, mais. Jovens e adultos elaboram listas de roupas de grife, sapatos, bolsas e acessórios, jóias e eletrônicos que seus pais não imaginavam existir, e muito mais, porque você merece. Eu mereço! O décimo terceiro salário (quando trabalhamos sob a CLT) já foi gasto mesmo antes de depositada a primeira parcela. E, se estamos desempregados e sem nada no banco ou no bolso, ainda assim queremos comprar, comprar, e ganhar, ganhar. Temos de ter! 

Nós devoramos e somos devorados, sem dó, pelo consumismo natalino que faz esquecer o maior presente dado aos humanos de todas as idades, em todo o universo – o Cordeiro deitado em manjedoura, num estábulo, o Deus Conosco que veio com o propósito de viver e morrer para redenção de injustos.

Na cabeça de todo mundo, aponta: "O que é que vou ganhar?" enquanto alguns se preocupam com o que é que podem dar. E mais: "Quanto vou gastar?" "Como é que vou pagar?" "Ah! se eu apenas tivesse _______...

O frenesi pré-natalino traz inquietações junto aos sonhos realizáveis, impossíveis ou frustrados — mil léguas longe de responder a pergunta: “Que darei ao Senhor por todos os benefícios que tem para comigo?” Aqui, lembro alguns tesouros com  aplicações práticas da Palavra de Deus para a ocasião e a vida toda.

Na escassez: generosidade e gratidão

Um conto clássico de O. Henry narra a história de um casal empobrecido, desejoso de presentear um ao outro, no Natal. Ela tinha longos e belos cabelos, e ele quis comprar uma linda fivela de ouro para enfeitá-los. Ele possuía um relógio herdado do pai, mas sem uma corrente. Ela cortou os cabelos e vendeu-os para comprar o presente perfeito para o marido: uma espessa corrente de prata. Ele, por sua vez, vendeu o relógio para comprar a joia da fivela. Muitas vezes, repete-se a doce ironia dessa história: alguém abre mão de um bem em favor de uma pessoa amada — e essa pessoa abre mão do que tem, para trazer alegria ao outro!

Generosidade não é ter muito para dar . É dar abundantemente do que temos — mesmo quando o que temos é pouco. Escrevendo aos Filipenses, Paulo disse: 
no início do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se associou comigo no tocante a dar e receber, senão unicamente vós outros; porque até para Tessalônica mandastes não somente uma vez, mas duas, o bastante para as minhas necessidades. Não que eu procure o donativo, mas o que realmente me interessa é o fruto que aumente o vosso crédito. Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus (Filipenses 4.15-18).
A generosidade deles foi atuante e marcante—quando os próprios crentes de Filipos passavam por necessidades, tendo o apóstolo necessidade de animá-los, dizendo:
Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as  vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus (Filipenses 4.6 e 7).
Concluiu com a promessa: “O meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades”(v. 19). Falando aos Coríntios — igreja cheia de problemas — Paulo não deixou de mencionar uma qualidade importante: 
no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos (2 Coríntios 8.2-4).
Tais donativos foram planejados e preparados de antemão “como expressão de generosidade e não de avareza” (2 Coríntios 9.5). Sendo assim, o apóstolo instrui:
Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria. Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra, como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre. Ora, aquele que dá semente ao que semeia e pão para alimento também suprirá e aumentará a vossa sementeira e multiplicará os frutos da vossa justiça, enriquecendo-vos, em tudo, para toda generosidade, a qual faz que, por nosso intermédio, sejam tributadas graças a Deus (2 Coríntios 9.7-11).
Isso é totalmente contrário ao que, hoje em dia, propõem os pregadores da prosperidade, os quais torcem o ensino bíblico, dizendo que nossas ofertas são “sementes” para nos garantir riquezas. Na verdade, a meta da generosidade é que sejam tributadas graças a Deus! 

Achei que fosse falar de presentes de Natal, e lá vai você falar de contribuições para a igreja! O que tem a ver caridade com a necessidade de presentear minha família e amigos? Na verdade, os princípios da generosidade são os mesmos, quer estejamos planejando presentes adequados para aqueles que amamos quer estejamos considerando o que contribuímos para quem já nos doou todas as coisas. Alguns lembretes:

  1. Não podemos esperar presentes porque merecemos. Diante de Deus, na verdade, não merecemos nada por termos sido “bons meninos” durante o ano que passou! Toda a nossa bondade é “trapo de imundície”(Isaías 64.6) e nossos esforços todos não passam de tentativas vãs diante de um Deus santo. O que Deus nos dá abundantemente é somente por sua graça. Aplicando essa verdade ao dia a dia, não damos nem recebemos presentes porque merecemos ou deixamos de merecer. (Aliás, a vida não consiste no que é secular versus espiritual. Se somos nascidos de novo, toda nossa vida, prática e secular, é espiritual!). Presenteamos pais, filhos, irmãos, amigos, porque os amamos e queremos compartilhar de maneira tangível essa lembrança. Não podemos exigir que outros nos deem, nem indicar o que eles deverão dar. Claro que se eles perguntarem do que precisamos ou o que desejamos, podemos indicar – sem exigências, sem esperar que façam o que nós queremos.
  2. Não podemos dar, visando o que vamos receber em troca. Já dei muitos livros a pessoa rica, na esperança que ela quisesse comprar mais para presentear a outros! Às vezes damos um presente caro esperando que “eles” nos deem na mesma medida. Ledo engano! 
  3. Generosidade nem sempre implica presente caro; muitas vezes, custa-nos muito além de dinheiro, embora seja pouco dispendioso. Tempo, atenção, carinho, sensibilidade são presentes de grande valor.
  4. Nossos presentes jamais devem ser para afirmar ou demonstrar agendas secretas (quanto nós somos bons, ou estamos bem de vida, ou merecemos ganhar com valor igual ou superior).
  5. Não podemos dar o que não temos, embora devamos sempre dar além do que achamos que podemos fazer! Da mesma forma, não podemos “contar com” presentes prometidos, antes que sejam dados, nem ficar decepcionados quando acabam não se materializando. Uma amiga contava com um presente em dinheiro; gastou de antemão o que fora prometido — que não veio — e lhe restaram apenas dívidas pesadas e sentimentos feridos.
  6. Use a criatividade em vez de gastar o que não tem, para impressionar! Não deixe a lista de Natal escravizá-lo a pagamentos de prestações. Diminua a ostentação e aumente o carinho!
Lembremo-nos de que Jesus curou dez leprosos, mas só um voltou para agradecer. Muitas vezes, nós recebemos, de Deus e das pessoas que nos cercam, presentes de grande valor, e não demonstramos gratidão. Somos indesculpáveis diante de Deus quando não o reconhecemos, não o honramos nem damos graças (Romanos 1.20, 21). Nossa gratidão às pessoas que nos presenteiam deve ser análoga à gratidão devida a Deus. O casal idoso que me deu três ovos da sua poedeira, a criança que compartilhou o chocolate da mãozinha melada, o menino que deu os lápis de cor para que eu preparasse o cartaz da escola bíblica — presentes humildes — colocam-nos no rol de gente preciosa por quem eu sempre serei grata.

Não precisamos repetir sem parar as razões para gratidão, mas em todo tempo temos de ser gratos por pequenas e grandes coisas que nos deram e fizeram. Um casal nos deu uma viagem inesquecível a Israel — não eram ricos nem estavam muito próximos — mas, quando Deus lhes deu os meios, presentearam-nos com algo que amigos abastados jamais imaginariam. Outra vez, um próspero médico deu a um pastor carente o dízimo dos proventos de uma cirurgia: um carro. Quando fui operada, uma irmã, que ganha a vida limpando casas, fez uma boa faxina em minha casa, e ainda trouxe almoço completo para a família. Quando nos preparávamos para um evento em O Refúgio, uma amiga chegou, de surpresa, com uma “equipe de limpeza” para ajudar a por o local em ordem. Um presente de preciosas horas de labor. Somos gratos por todas essas ocasiões inesquecíveis de generosidade. Somos gratos também pelos “pequenos mimos” — um queijo ou doce trazido de longe, um conjunto de sabonetes perfumados, uma toalha de mão bordada.

Não se pode exibir pobreza como medalha nem esperar que outros sejam obrigados a ajudar. Ninguém é responsável pelo que não temos nem mesmo pelo que poderíamos ter. Por outro lado, somos responsáveis por gerenciar bem o pouco ou muito que Deus nos deu, e sermos generosos! Somos mordomos porque nada do que temos é realmente nosso. Temos de cuidar bem, mas segurar com mão leve e aberta.

Se recebemos um presente, por menor que seja, sejamos gratos — foi de graça, por graça, graciosamente dado. Assim, também, ensinamos filhos, netos, irmãos, e amigos que nos cercam, a demonstrar a mesma gratidão.

Na prosperidade: generosidade e gratidão

Muitos de nós já imaginamos o que faríamos se, de repente, recebêssemos uma fortuna inesperada, dinheiro ou bens muito além do que, hoje, possuímos. Juntamente com a compra de casa, carro, viagens, muitas coisas com as quais sonhamos, imaginamos doações para hospitais beneficentes, escola que faça diferença na comunidade, qualquer que seja o nosso sonho filantrópico. "Se eu tivesse um milhão, eu ______ (complete a frase com mil sonhos!). Lembro-me de , quando criança, em nossa classe na igreja, achávamos importante colocar no ofertório as moedas pequena e  surradas notas de um cruzeiro. Certa vez, uma coleguinha veio com uma nota de dez cruzeiros, novinha em folha; mostrou-nos o quanto iria dar, e deixou-nos verdes de inveja. Será que ela merecia sentar bem na frente quando chamada a apresentar o versículo decorado? Tiago, o irmão de Jesus, sabia o que era ter um parente famoso e benquisto, e, sob seu ensino, escreveu: 
As vossas riquezas estão corruptas, e as vossas roupagens, comidas de traça; o vosso ouro e a vossa prata foram gastos de ferrugens, e a sua ferrugem há de ser por testemunho contra vós mesmos e há de devorar, como fogo, as vossas carnes. Tesouros acumulastes nos últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos e que por vós foi retido com fraude está clamando; e os clamores dos ceifeiros penetraram até aos ouvidos do Senhor dos Exércitos. Tendes vivido regaladamente sobre a terra; tendes vivido nos prazeres; tendes engordado o vosso coração, em dia de matança; tendes condenado e matado o justo, sem que ele vos faça resistência (Tg 4.2-6).
E Paulo lembrou a seu filho na fé, Timóteo:
Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida (1Timóteo 6.17-19).
Na galeria da fé, há menção de gente muito rica como Abraão, José (da cova, escravatura, falsas acusações e prisão — a governador do Egito), Salomão, e, outros, extremamente pobres. A condição financeira dos servos de Deus jamais indicou maior ou menor bênção e proximidade de Deus.

Em nosso cotidiano cristão, temos contato com gente de posses que tem ajudado a muitos, especialmente na igreja, e gente paupérrima igualmente importantíssima no Reino de Deus. E quando pensamos em presentear ou receber presentes por ocasião do Natal, aniversários, casamentos, qualquer que seja a data, temos de entender a abundante riqueza e a imensa pobreza, nossas e a nossa volta. Deus permite que tenhamos bens, mas proíbe que sejamos orgulhosos ou que coloquemos esperança na instabilidade da riqueza. Deus permite que estejamos pobres, mas lembra-nos que somos “ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam” (Tiago 2.5). Conhecemos “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de nós, para que, pela sua pobreza, nos tornássemos ricos” (2 Coríntios 8.9).

A geração de meus pais e avós era econômica, às vezes muquinha, por medo de sofrer de novo as carências da Grande Depressão ou da Guerra que lhes tirou quase tudo. Uma amiga conta que o avô não admitia que qualquer membro da família guardasse dinheiro separado dele, o qual tinha de controlar tudo, guardando no banco “para garantir a sobrevivência da família”. A maioria de nós tem lendas familiares sobre dinheiro guardado, fortuna desperdiçada, tesouros escondidos e privações reveladas. Muitas vezes, as gerações atuais são perdulárias, pródigas, sem pensar em economia; vivendo gastos acima dos ganhos, ostentando como “essenciais” à própria vida, coisas que os antepassados mais ricos sequer imaginavam possuir.

Nesse clima de comprar “porque merece”, de consumir sempre mais e melhor do que os outros, é que tentamos conviver com a ética protestante em que fomos educados. Somos levados pela enchente dos mesmos três aspectos em que grandes servos de Deus naufragaram: “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João 2.16) – e, em matéria de presentear e receber no Natal ou em outra data, esses três aspectos geralmente estão presentes!

Uma pessoa que enricou, disse: “Tenho medo de contar o quanto eu ganho, porque, aí, todo mundo vai chover em cima de mim, pedindo ajuda ou empréstimos”. Meu avô dizia que decidiu emprestar apenas o que não o prejudicasse nem magoasse caso a fosse ressarcido. Outra pessoa que vive com um grande legado é extremamente solitária porque se nega a dar e receber, temendo amizades interesseiras.

É difícil, à pessoa que “tem tudo”, viver num clima de gratidão constante — mas somos conclamados a fazer exatamente isso: “Em tudo dai graças”. Na humilhação e na exaltação. Na carência e na prosperidade. No “nada tendo” e no “possuindo tudo”. Quando aprendemos a viver contentes em toda situação não perguntamos: “O que é que vou ganhar?” nem mesmo “O que é que vou ter de dar?” mas 
Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo... Oferecer-te-ei sacrifícios de ações de graças e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo, nos átrios da Casa do Senhor, no meio de ti, ó Jerusalém. Aleluia! (Salmos 116.12-19.)
Elizabeth Gomes 

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