
Na segunda
gravidez, três anos depois, ela estava mais escolada—lia tudo que conseguia
sobre parto e puericultura. Tinha sofrido um aborto espontâneo quando o primeiro
filho tinha dois anos e, agora que ele estava com três anos, ela resolveu fazer
tudo conforme as melhores indicações médicas para garantir que não cometeria
erros neste nascimento. Método Lamaze,
parto sem dor, exercícios até o fim e seguindo religiosamente a rotina
preparatória. Conversava detalhadamente com a obstetra a cada consulta do
pré-natal. Tudo daria certo.
Passaram as
quarenta semanas, e decidiram induzir o parto. Seu marido, pastor, era capelão
do hospital em que a criança nasceria, e estaria junto dela. Mas as contrações
demoravam mais do que se esperava. Nesse tempo em que aguardavam maior
dilatação, um grito sofrido chamou o marido para outro quarto: morreu uma
mulher que não fizera prenatal, desconhecendo a condição diabética, e a criança também “não
vingou”. O seu marido, como pastor, teve
de dar assistência espiritual e prática ao pai enlutado. Ela ficou apenas na
companhia da obstetra. O bebê tinha virado transversalmente, após já ter se
encaixado. A médica virou a criança manualmente. As coisas não iam conforme
planejado, e de repente a parturiente apagou: foi-lhe dada anestesia geral
porque o bebê entrava em sofrimento. Horas depois (ou seriam dias?) a mãe
lutadora acordou e em seu torpor deu falta do bebê a seu lado.
-- Cadê meu filho?
-- Calma, mais tarde
você a verá...
-- Então é menina?
-- Isso mesmo.
Descanse mais um pouco...
Pânico. O
bebê não estar junto dela só poderia significar que ele morreu, pois nem seu
marido estava por perto. Com certeza está correndo atrás das coisas...
A médica se
aproximou, e disse:
-- Ela é
uma linda menina, mas está na incubadeira. O cordão umbelical quase a sufocou.
Amanhã certamente ela estará respirando melhor...
Como ficar
calma? Como descansar se tudo deu errado? Mas ela não tinha como sair da cama
nem gritar por socorro, quanto menos ir ao berçário para tomar a filha nos braços
e sentir que seu labor tivera algum êxito.
Realmente,
na próxima vez que acordou, seu marido estava a seu lado e deu notícias lá de
casa. Mamãe está com o filhão, você foi uma guerreira, e já vão trazer nossa
filhinha para cá. Um embrulho de fofura cor de rosa foi colocado em seu regaço,
e em pouco tempo mãe e filha estavam se descobrindo sob o olhar terno do marido,
que passara a noite consolando outro homem pela perda de mulher e criança. Tudo
ficaria bem, pela graça de Deus.
Vinte e
cinco anos depois, a mãe cruzava os ares para ir de encontro à filha que estava
prestes a dar a luz ao segundo filho. Dois anos antes, acompanhara, numa noite
gélida em que enfrentaram uma tempestade de neve para chegar ao hospital,
acompanhara filha e genro para o nascimeto do primeiro neto. Mas tudo deu
certo; o parto demorado, porém bem sucedido, revelou um garotão forte e esperto.
O hospital modelo chegou a dar um jantar romântico ao casal de novos pais horas
depois do ocorrido. Só que agora, a jovem mãe morava em outro estado, outra
cidade, noutras circunstâncias, e a mãe madura se sentia tão insegura quanto
quando a filha nascera anos atrás. Desembarcando, esperava encontrar o genro, no aeroporto perto da cidade em que moravam,
em ve dele, a filha veio a seu encontro, correndo para seus braços, aos prantos,
e mãe e filha se apertavam em desespero, a mãe sem saber o que acontecera, mas
com certeza que o nenê tinha morrido.
A avó ficou
sabendo que nascera conforme esperado, mas foi transferido imediatamente de
helicóptero para a terapia intensiva de referência neonatal da cidadade maior,
onde ainda lutava para respirar. A filha “fugiu” do hospital poucas horas
depois de dar à luz, ansiosa para encontrar pessoalmente a mãe e derramar o
coração diante dos temores reais que a
assoberbavam. Ali compartilhariam os medos e incertezas de um nascimento de
bebê de alto risco, onde ele ficaria três semanas na UTI, enquanto mãe, pai
pastor, filho de quase dois anos, e avó vinda do Brasil ficariam em um quarto
cedido para familiares de crianças em risco de morte.
Os amigos e
parentes dariam parabéns ou pêsames? Os telefonemas eram confusos porque a
situação estava confusa. A avó tentava entreter o inteligente e sapeca filho da
sua filha, que até então tinha sido centro da atenção de todos. Agora tudo
girava em torno do irmãozinho que, apesar de grande e forte, nasceu doentinho.
Comentários, mesmo de gente cheia de amor, doíam. O bebê estava roxo devido à
falta de oxigenação. Alguém disse:
-- Esse sim, puxou o
lado brasileiro mais escurinho da família.
--A cabeça logo vai
voltar ao tamanho normal.
--
É bom não se apegar demais...
Quando ele voltou para casa, regozijaram—ia dar
tudo certo. Ele progrediria em ritmo diferente, mas graças a Deus, estava vivo
e não tinha nenhum problema. Deus é grande!
As duas vinhetas verdadeiras acima são comuns
na vida moderna, em que nascimento e parto são desmistificados e corriqueiros,
mas ainda cheios de surpresas e desapontamentos. Uma amiga obstetra disse-me
que já assistiu centenas de partos de todo tipo; naturalmente, prefere cuidar dos
normais, mas está pronta para qualquer emergência—no entanto cada nascimento é
único e ela se emociona com o corriqueiro como se fosse milagre único e
inusitado—sempre!
Alegrias e
tristezas e uma gama infinita de emoções transbordam ante o milagre da vida
desde Eva, que disse: Adquiri um varão com o auxílio do Senhor, e a quem foi
dito que os sofrimentos da gravidez se multiplicariam e em dores daria a luz a
filhos. Como em todos os eventos da vida debaixo do sol, junto à maldição estão
coladas múltiplas bênçãos. Nas histórias dos humanos em tempos bíblicos,
fertilidade e esterilidade figuram proeminentes desde que seres humanos começaram
a cumprir o mandato cultural enchendo e povoando a terra. É notório que as
grandes famílias patriarcais tivessem tantas incertezas e lutas relacionadas
com fertilidade. Na família de Jacó, todas as rivalidades centravam em filhos:
da esposa amada, da esposa forçada, da concubina, da escrava, da nora rejeitada
que engendrou um relacionamento com o
sogro—tantas confusões gestacionais que a história bíblica tem protótipo de
toda espécie de nascimento: planejado, impromptu, fruto de abuso, relato de
amor, em que a estéril se alegra.
Em era
moderna, o Germinal de Flaubert é parábola da fecundidade e esterilidade da
vida romântica naturalista beirando o realismo. Hoje em dia, embora a sociedade considere a
profícua fecundidade um problema que afeta negativamente a liberdade da mulher
e acarreta insuportável peso financeiro—ao contrário dos tempos bíblicos em que
muitos filhos significava muita riqueza,
e começaram a cumprir o “crescei e muliplicai” – as pessoas continuam a encantar-se
com as histórias e os mitos relativos ao nascimento de bebês. Todos temos um acervo de histórias
e fatos curiosos sobre nossas mães, irmãs, avós e filhas. Jovens independentes
se casam e, de repente, querem fazer um ninho para abrigar a promessa de
continuidade da vida na vida do filho. Sua realização, sua frustração, seu
sonho e suas ansiedades giram todos em volta de filhos. E as pessoas tendem a
fazer comparações, indagações, perguntas indiscretas bem como discretos
comentários a estranhos e às mulheres mais íntimas de seu relacionamento. Nâo é necessário ser uma Sara, Ana ou Isabel
da antiguidade, com a perspectiva de dar a luz um ser como nós, tão diferente
de nós, que vai nos causar dores e nos alegrar por toda a vida, mesmo que ele
jamais pertença a nós. Esses filhos são Senhor da Vida. Celebramos o
nascimento, por mais que incluamos nisso o sofrimento.
Hoje quero
homenagear jovens amigas que estão grávidas ou recentemente deram a luz.
Algumas enfrentaram dificuldades para conseguir gestar, outras “tiraram de
letra” e podem dar lições às sua avós e mães—sempre prontas a contar um caso
enternecedor. Algumas mães mais maduras tiveram um filho com muitas lutas, e
vão continuar lutando pela vida, pela sanidade e pela saúde dos filhos,
sofrendo as síndromes que afligem seus rebentos, e enternecendo ante as glórias
e dores do seu dia a dia. A minha filha que nasceu com o cordão umbelical
estrangulando-a hoje é uma mulher saudável e sensata, mãe de três homens. Fez
seu mestrado quando esperava o segundo filho; doutorou-se enquanto se preparava
para o terceiro parto (que aconteceu em meio ao tufão Katrina). O filho dela
que foi transportado para outra cidade de helicóptero segundos após ter nascido
e lutou tanto para respirar, é um belo e bondoso rapaz cristão de dezoito
anos—que luta, ora vencendo ora sentindo-se derrotado com a condição de lesão
cerebral e autismo. No fim, tudo deu certo e ficou bem. Não negamos as dores de
coração de partos atribulados e a providência divina—até mesmo quando houve
erro médico. Estes são os filhos que Deus nos concedeu para a sua glória e para
a nossa alegria. Regozijemo-nos neles!
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