sexta-feira, janeiro 04, 2013

PASTORES, SACERDOTES E SANTOS


O comentário de minha amiga, expressando o desejo de conhecer mais santos, homens como São João de Compostela ou Santo Agostinho, – “gente de comprovada santidade e caráter ilibado em lugar dos padres e pastores atuais” –, não é apenas o anseio de uma moça católica romana (ela) nem de uma senhora protestante reformada (eu).

Pastorado santo.
Tenho observado análises semelhantes feitas por diversos amigos pastores e por “simples ovelhas” como eu – que anseio por santidade ante a realidade de um mundo corrompido. Frente à corrupção na igreja, que se estende também aos líderes de todas as colorações, temos de nos voltar ao que o profeta Jeremias comentou, quase seiscentos anos antes do nascimento de Cristo: Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao Senhor; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21); e analisado pelo seu contemporâneo Isaías: seus atalaias são cegos, nada sabem; todos são cães mudos, não podem ladrar; sonhadores preguiçosos, gostam de dormir. Tais cães são gulosos, nunca se fartam; são pastores que nada compreendem, e todos se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, todos sem exceção. Vinde, dizem eles, trarei vinho, e nos encharcaremos de bebida forte; o dia de amanhã será como este e ainda maior e mais famoso (Is 56.10-12).

Sou grata a Deus por conhecer e participar da vida de pastores honestos que amam ao Deus da Palavra e pensam segundo seus pensamentos – e creio que esses homens têm o grato privilégio de contribuir para mudar a face da vida evangélica no Brasil (pela graça de Deus, começando na minha própria família). Quando comecei a entrar no facebook, procurei fazer amigos entre pastores e líderes cristãos, visando conhecer melhor o que acontece em nosso país e ver as diferenças que ocorrem quando assumimos uma face autêntica, mais cristocêntrica. Acessei também sites de artistas de variadas naipes para constatar o que eles falam (compoem, cantam, poetam, produzem) sobre as condições do evangelho brasileiro atual.

Alguns que se manifestaram meus “amigos” já não estão no pastorado, ou assumiram suas heresias como se fossem suas verdades particulares (e constato que em vez de distribuir pão da vida, estão expondo sujeiras e vergonhas próprias). Mas em sua maioria, os pastores amigos que conheço ainda têm a Bíblia como regra de fé e prática e não se envergonham do evangelho explícito do poder e sabedoria de Deus.

No entanto, muitos dos que assumem um cristianismo autêntico, comprometidos de pensamento e vida com a Escritura e com o Deus Trino, não demonstram uma fé reformada que nos reforma sempre segundo a Palavra de Deus no amor de Jesus Cristo e no poder do Espírito Santo. Agarram-se a “pedaços” desse evangelho, migalhas – palavra, amor, poder, visão – e, fracionando-o, dilaceram a verdade e tornam-na em convenientes mentiras posmodernas. Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao SENHOR; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21).

A invectiva de Jeremias diante de Jeconias antes da dispersão para o cativeiro babilônico se aplica igualmente aos profetas hodiernos diante da vida a nosso redor: Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto! – diz o Senhor. Portanto, assim diz o Senhor, o Deus de Israel, contra os pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes, e delas não cuidastes; mas eu cuidarei em vos castigar a maldade das vossas ações, diz o Senhor. Eu mesmo recolherei o restante das minhas ovelhas, de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; serão fecundas e se multiplicarão. Levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará, diz o Senhor (Jr 23.1-4). Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o Senhor; porque eu sou o vosso esposo e vos tomarei, um de cada cidade e dois de cada família, e vos levarei a Sião. Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência (Jr 3.14-15). O relacionamento com o Supremo Pastor do Israel de Deus é familial: somos filhos rebeldes, mas nos tornamos seu cônjuge – ele é nosso esposo; é cordial: darei pastores segundo o meu coração; é de ação constante “com conhecimento e com inteligência”.

Quando Jesus percorria as cidades e povoados da Judéia, comoveu-se por ver seu povo como ovelhas sem pastor (Mt 9.36; Mc 6.34) e ainda usou uma metáfora mais “de fundo de quintal”: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! (Mt 23.37; Lc 13.34). Rebanho ou pintainhos também são desgarrados e não querem se aninhar sob suas asas! E isso leva ao segundo anseio:

Um povo santo.

Agora chegamos ao ponto central de contraste entre o catolicismo romano e o cristianismo bíblico. Pelos próprios escritos de São Pedro, concluímos que aquele que é crente em Jesus Cristo como Salvador e Senhor de sua vida é um sacerdote. Não temos um sacerdócio como casta separada de apenas clero escolhido – todo crente é sacerdote! Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1Pd 2.9). Não precisamos de algum santo que reze por nós para alcançar, mediante méritos seus, uma graça desejada. Nós somos santos e temos livre acesso ao Pai (Ef 2.18; Rm 5.2). Gente comum, como eu e você, “tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (Hb 10.19-23). Deliciosa audácia – o véu que separava o povo do sacerdócio foi rasgado com a morte de Jesus Cristo, e ele mesmo é o caminho – não precisamos outro mediador (1Tm 2.5; Hb 12.24). E quanto à graça, ela é redundantemente graciosa, de graça: porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela (Ef 2.8-10).

Na certeza de que participamos com o próprio Senhor Jesus de um sacerdócio santo, somos também um povo separado. Por mais que hoje queiramos assimilar o mundo de forma terrena e demoníaca, na verdade pertencemos a outro reino em que somos conclamados, como foram os primeiros habitantes da terra, a assumir nosso chamado das trevas para sua maravilhosa luz, pois por ele temos acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2.18). Paulo se dizia o menor de todos os santos (Ef 3.8), e nós, que somos ainda menores do que ele, temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele (em Jesus – não em São Paulo nem outro santo qualquer do passado ou no futuro da história da igreja!).

Não anelo ser pastora, como algumas amigas feministas desejam esse papel de liderança – creio que o pastoreio do rebanho de Deus é para homens fiéis e idôneos, cujo requisito inicial, segundo Jesus, é uma resposta positiva a: Amas-me? (Apascenta os meus cordeiros; Pastoreia as minhas ovelhas; Apascenta as minhas ovelhas – João 21.15-17). Aos pastores de almas e igrejas, ele conclama: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória (1Pd 5.2-4).

Como mulher cristã, minha missão é semelhante à da mulher de Lapidote na época dos Juízes, ou à mulher de Áquila, na época apostólica. Anseio aprender e ensinar como Eunice, Loide e Priscila – nos bastidores, diante de escrivaninha meio desarrumada, forno e fogão e mesa posta, esclarecendo pensamentos de Apolos ou Timóteos enquanto cosia tendas junto ao marido ou espelhava a fé ao filho ou ao neto. Participo, sim, do genérico todos os crentes – sobre quem a oração paulina é para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (Ef 3.14-21). Existe maior glória que essa?


Elizabeth Gomes

Um comentário:

Angélica Cristie disse...

Ótimo texto, felizmente temos alguns pastores que ainda honram ao ministério e zelam pela sã doutrina, mas grande maioria no atual "status quo gospel" mundanizam a "instituição igreja" com a desculpa de contextualiza-la, que Deus tenha misericórdia!!