Crentes na Bíblia como Palavra de Deus, nós afirmamos que a criação de
animais (domésticos e selváticos – Gn 1.24,25) foi anterior à criação do ser
humano a fim de espelhar o caráter de Deus também no cultivo, guarda e exercercício
de domínio sobre os animais assim como sobre toda a natureza (Gn 1.27-31).
Hoje, a filosofia secular humanista tende a ver o humano como apenas um entre
muitos animais predadores e, muitas
vezes, iguala a vida e o valor dos animais irracionais aos do ser humano,
defendendo toda a vida física como de igual importância e repudiando a idéia do
domínio humano sobre a natureza. Estranho que os mesmos que proclamam “salve as
baleias” e “proteja os cães” muitas vezes sugerem que se descarte qualquer feto
humano não desejado que “atrapalhe” a vida da mulher, como sendo “apenas tecido
fetal”. Alguns chegam a considerar comer carne uma séria ofensa, ainda que
sejam pró aborto—inculcando-se por
sábios, tornaram-se néscios, adorando e servindo a criatura em vez de o Criador
(Rm 1.25)!
Uma visão cristã da natureza com seus seres viventes não conscientes
será sempre de amar a criação que Deus fez, cuidar dos animais dos quais
dependemos e que dependem de nós, e realizar um domínio ecológico sustentável
que preze a vida e glorifique o Criador. “O justo atenta para a vida dos seus
animais, mas o coração dos perversos é cruel”(Pv 12.10). Jesus afirmou o
princípio bíblico de que o justo cuida dos seus bichos como também de sua gente
mesmo no dia do sábado, perguntando aos fariseus: “Hipócritas, cada um de vós
não desprende da manjedoura, no sábado, o seu boi ou seu jumento, para levá-lo
a beber? Por que motivo não se devia livrar deste cativeiro, em dia de sábado,
esta filha de Abraão a quem Satanás trazia presa a dezoito anos?” (Lc 13.16) e
“Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em
dia de sábado?” (Lc 14.5). Subentende-se que quem não cuida bem dos seus
animais não cuidará de seus filhos—e parece que até os animais irracionais
percebem quando uma pessoa não é bondosa com eles!
Se no mandato cultural somos responsáveis
por cultivar e guardar, devemos fazê-lo com inteligência, diligência e amor. O primeiro
ato de Adão depois de ter recebido de Deus a companheira “osso dos meus ossos”,
foi taxonômica, ou seja, dar nome aos bichos , de conhecer e valorizar a
criação animal utilizando sua responsabilidade
de ser racional em que estava
impressa a imagem de Deus.
Multiplicando-se a maldade humana a ponto de misturar-se com a impiedade
demoníaca (Gn 6), o coração de Deus se pesou, planejando um dilúvio destruidor
e purificador. Toda a história da arca de Noé fala da salvação da raça humana
(com oito pessoas dos gêneros macho e fêmea) e também da providência de
preservação da vida de todas as espécies animais (um casal reprodutor de cada
espécie) num estratagema ecologicamente brilhante e logisticamente complicado—porque
Deus é Criador e sustentador da
natureza. As obras de arte através dos séculos sempre incluíram figuras ora
prosaicas, ora majestosas, dos animais com quem o ser humano convive em mútuo
desfrute.
Delineando essa base para uma visão cristã da complexidade da criação,
quero enfocar um aspecto pequeno, quase caseiro, do que significa cuidar da
vida a nosso redor, falando dos nossos pets. Tenho observado as postagens e dizeres
de pessoas que lamentam a perda dos seus bichos de estimação, incluindo fotos de
seus bichos, quase tanto quanto são frequentes as fotos de filhos ou netos
queridos. Com isso, lembro com saudade da infância de nossos filhos, sempre
pontilhada pela presença dos seus bichinhos, bichanos e bichões. No meu caso
particular, o maior (não em tamanho, mas em exotismo) foi o filhote de onça
pintada, trazida por meu pai em uma de suas viagens ao interior de Goiás, antes
de haver restrições de IBAMA. Esse filhote de onça selvagem ficou em nosso
apartamento conosco por umas três semanas, até que fosse transportado para um
zoológico famoso na Europa. Anos depois, Davi e seu primo Márcio tiveram um
mico dourado que dormia como um minúsculo bebê em sua mão (também antes de
haver legislação do IBAMA).
Entre meus amigos, conto com várias pessoas dedicadas à medicina
veterinária, e outras tantas que lutam pelos direitos dos animais. Quando Lau e
eu mudamos para uma casa, um dos primeiros presentes que demos ao primogênito
foi Fluffy, um puppy, que ele
aprendeu a cuidar, alimentar e trocar-lhe a água antes de nascer a sua
irmãzinha. Depois que fomos morar na fazenda em Bocaina, então, eram tantos
bichos que às vezes eu não sabia onde pisar. Eu achava que pelo menos um filho
decidiria seguir carreira como veterinário – cuidava dos coelhos, fazendo até pequenas
cirurgias, tínhamos sempre pelo menos dois cachorros (dizem que se conhece o
caipira quando tem pelo menos quatro cães na varanda a ladrar sempre que chegam
visitas). Uma vez, aos sete anos, o caçula assistiu a parição de sua preá, e
veio correndo, exclamando:
– Viva, sou pai, nasceu o filho de minha preá!
Nascimento, aliás, é uma das primeiras lições de vida que os pets
ensinam aos filhos. Por mais que eu
exigisse que cachorro não podia dormir em sua cama, os cachorros de casa,
companheiros dos filhinhos da mesma, eram donos do pedaço: Daniel aprendeu por
que não devia permitir isso quando chegou em seu quarto e a cadelinha já estava
parindo o quarto filhote no travesseiro dele. Ele ficou extasiado, embora eu
não me alegrasse muito com a sujeira dos lençois a lavar. Cedo a bicharada
ensina às crinças noções básicas de carinho, de reprodução, de higiene—o que é
mais fácil com gatos que tenham suas caixas de areia e vivem sempre a lavar-se,
mas não deixa de ser aprendido quando se tem de andar regularmente com o
cachorro ou dispor dos seus dejetos de forma que não se ande sobre pequenos
monturos malcheirosos. A higiene canil tem de ser explicada com detalhes para
os pequenos não imitarem todos os aspectos, e é imprescindível que se ensine coerência,
responsabilidade e naquilo que nós humanos devemos cuidar de forma diferente dos cuidados que os próprios
pets têm com os seus filhotes (humanos não lambem, não arfam, não carregam as
crias com a boca).
“Por mais que se tape os olhos da Madame Mim quando você faz oração, meu
filho, ela não está orando—está apenas seguido o que o seu humano quer que faça
quando ele agradece a Deus pelo
lanche. E você, meu filho, não deve compartilhar seu sorvete com ela, por mais que
ela goste de lamber junto—ela também põe
a boca em coisas que têm germes que não são bons para nós humanos, (como
baratas e ratos mortos)”. O fato de nossos animais serem excelentes caçadores (quem tem gato em casa não tem rato; tínhamos
um exímio matador de mosquitos num bichano que os pegava, mal as sanguessugas pestinhas
miúdas pairavam perto de nós).
Conheci uma senhora cujo papagaio de estimação cantava: “Cantai ao
Senhor...”; o papagaio do vizinho zingava com sons torpes. Nenuma dessas aves
era “cristã”—elas apenas emitiam sons segundo seus humanos mais próximos. Às vezes os bichos são mais
propensos a ser domados de modo positivo do que nós humanos criados à imagem de
Deus conseguimos dominar nossa língua, nossas mãos, nosso temperamento.
Constate o que Tiago diz sobre freios em cavalos (Tg 1.26; 3.8) e a língua
humana.
Linguagem, por exemplo, é algo que nossos animais não dominam, mas
obedecem. Um cão adestrado atende a ordem de seu dono, e uma ovelha ouve a voz
de seu pastor, porém, por mais que mostre seu apreço por seu dono, o animal não
pode planejar e articular em linguagem que comunique pensamento e propósito. Um
bichano pode ronronar, demonstrando agrado ao toque de sua proprietária, e se
achar dono da casa em que escolhe as
melhores almofadas; um cachorrinho novo vem correndo e abana o rabo,
mostrando solidariedade e simpatia cada vez que seu humano chega perto, mas não
pode expressar o que pensa nem fazer considerações sobre si nem sobre o ser
humano que cuida dele.
De vez em quando, aparece um adulto que trata seu cão como se fosse
mimado filho único. Tenho pena desses bichos e de seus proprietários, pois embora eu creia que devemos tratar os animais
com carinho e respeito, creio que eles não são seres humanos que só comem filé
mignon e vestem roupas de grife—e somos tolos quando adoramos a criatura ao
invés do Criador, ou mesmo quando queremos atribuir valores de personalidade e
varonilidade ética ao cachorro que compramos ou adotamos. Tenho visto cachorros
muito amigos, com lealdade a prova de tudo—mas o amor e a lealdade canina não
são frutos do Espírito Santo—são apenas características animais de seres vivos
que retribuem conforme o bem com o que são tratados. Treino e disciplina nos pets
vem conforme o seu humano.
A “madame” não é mamãe de sua
mini poodle nem deverá dar festa de aniversário ou “casamento” com direito a
bolo e doces caninos. Devemos tratar os animais com a dignidade de bichos—não como
simulacros de gente mimada que não tem o que fazer com seu tempo ou dinheiro.
Há muitas pessoas famintas e carentes no mundo, e mordomia cristã inclui gastar
bem o produto de nosso trabalho. Também ensinamos os filhos quando temos apenas
os pets que damos conta de cuidar (e não
é a mamãe humana que cuida do cachorrinho ou da iguana que a filha tanto
jurou fazer tudo por ela!)
Soube de uma moça que tinha mais de vinte cachorros, estava desempregada
e não tinha dinheiro para comida, mas fazia das tripas coração para comprar
ração e pagar contas de veterinário antes de resolver as questões com a própria
familia. Com isso ela não cuidava bem de seus bichos—muito melhor seria que os
desse para adoção por gente que com esmero tomasse conta deles.
Já chorei com a perda de animal
querido, e não há nada de ridículo em sentir profundamente a ausência de uma
criatura que fez parte de sua vida por dez ou até quinze anos. A presença da
morte é outra dura lição que nossos pets ensinam a nossos filhos. Nunca me esqueço
do enterro que fiz do papagaio que as formigas mataram: forramos uma caixa de
sapato em lindo caixão dourado e cantamos algo como “Vós criaturas de Deus Pai,
todos erguei a voz, cantai!” quando fizemos, minha irmã e eu, a despedida
final. Um cachorro atropelado na frente de casa é um trauma duro de superar—mas
seu humano sairá mais forte da experiência, se aprender que Deus cuida dos detalhes
da vida até dos pardais que Ele alimenta e que não caem sem queo Pai Celeste
saiba, e dos animais do campo e de casa eque nos encantam e reviram nossos
pertences e planos.
Embora hoje eu não tenha pets, exceto a Nina, cadelinha da
família de meu filho que é missionário no Japão e não teria como pagar a
passagem dela, eu “curto”as notificações sobre os bichinhos de meus amigos, cujos
caninos, felinos, equinos, aves, peixes e até mesmo répteis alegram o coração e
glorificam a Deus por sua existência, ensinando-nos a participar da criação!
Elizabeth Gomes