Por esses dias, amigos leitores e escritores têm
postado justas homenagens às suas mães, e mães amigas fazem melífluas e verdadeiras
declarações de amor aos filhos. Algumas, com humor característico, postam
sugestões do que não dar de presente, ou do que se deve presentear, às mães,
nesse dia criado por uma filha agradecida (Ana Jarvis), e assumido por um
comércio esfomeado como sendo imprescindível.
Tenho um relacionamento um tanto ambíguo com o Dia das
Mães. Sou imensamente grata ao Senhor Jesus pela mãe piedosa que me levou a
Cristo, me educou na Palavra, me amou até o fim de sua vida na terra. Não tenho
palavras para expressar a alegria de ter me tornado mãe de dois homens e uma
mulher de Deus, de vê-los crescer, florescer e multiplicar na graça e paz,
mesmo quando em lutas e batalhas concedidas a poucos bravos e fortes guereiros.
Assumi também a maternidade às noras e genro, ainda que cada um tenha mãe
cristã de presença e caráter, não para usurpá-las, mas tomando posse do carinho
que essas filhas e filho conforme a lei são para mim desde que começaram a amar
os meus filhos. Mas não sou mãe sozinha. Sem Wadislau, fisicamente eu não seria
mãe, quanto mais não o seria moral e eticamente. Somos um casal mãe-e-pai. E
sem o Pai Celeste, de quem toma o nome todo que crê em Jesus Cristo como
Salvador e Rei, não poderia orar “Pai Nosso” – nem mesmo poderia viver ou
transmitir vida a outrem. Ser mãe lembra a declaração de Jesus “Sem mim nada
podeis fazer”. Não cremos em geração espontânea nem em criação de filhos sem
ser por uma equipe depelo menos o Senhor que nos ajuda, e preferivelmente mais
equilibrada com a presença e o apoio do companheiro de vida. Pela dúbia
declaração politicamente correta de que “leva toda uma vila para criar um
filho”, temos de concordar que o auxílio de muitos na “vila”—, ou melhor, na família da fé e nos familiares
de sangue, enriquecem, dão conhecimento e sabedoria, e multiplicam para a eternidade
as bênçãos da maternidade.
Minha ambiguidade vem dos muitos dizeres que equiparam
ser mãe com “padecer no paraíso” ou “ser mãe acima de tudo mais”. Já edifiquei
meus ídolos, os quais o Senhor derribou, e hoje vejo a maternidade, emprestando
uma expressão inglesa, “com um grão de sal” – temperada, salgada, provada,
conservada pelo Reino do qual somos apenas sal da terra e luz do mundo.
Ao ler relatos bíblicos, lembro-me de mães que fogem
às convenções. Joquebede, ama seca do próprio filho Moisés, que o entregou ao
Nilo, donde ele foi “tirado das águas” ao entregá-lo ao Deus Criador de todo o
Universo. Deborah, mulher de Lapidote, de quem não é mencionado filho algum,
que foi mãe em Israel ao conduzir todo um exército para a vitória, mesmo que os
comandantes estivessem acovardados (Juízes 4 e 5). Rute, uma viúva moabita que
se tornou verdadeira “ídische momma”ao se refugiar sob as Asas do Senhor de
Boaz, que veio a ser avó do rei Davi e antepassada do Rei dos Reis. Ester
ganhou o concurso de beleza de Miss Pérsia e tornou-se rainha. Nenhum filho é
mencionado no drama da bela Hadassah, mas ela veio, “quem sabe se para
conjuntura como esta é que foste elevada a rainha” e com jejum, oração, coragem
e sagacidade diante de Assuero, salvou do genocídio todos os judeus habitantes da
região que hoje é o Irã (Ester 4-10). Mães improváveis todas aquelas que eram
estéreis, a quem Deus concedeu
maternidade: Sara, Rebeca, Raquel, Ana, Isabel – mães de valorosos servos do
Senhor. Improvável a jovem mãe de Jesus – “como será isto, pois não tenho
relação com homem algum?”— que acedeu, dizendo “Aqui está a serva do Senhor;
que se cumpra em mim conforme a tua palavra”(Lucas 1-2.38).
Mães-pais improváveis – o discípulo amado que se
inclinara ao peito de Jesus no jantar de Pesach horas antes que ele fosse
crucificado, e assumiu papel de filho mais velho ante a cruz para a mãe de
Jesus (João 19.26-27), passou toda uma vida e uma velhice transmitindo amor aos
“Filhinhos...” e afirmando que “não tenho maior alegria do que esta: de saber
que meus filhos andam na verdade”. O apóstolo Paulo, por quem “sofro de novo as
dores do parto, até ser Cristo formado em vós” (Gálatas 4.19).
Embora sempre
nos refiramos a Deus no masculino, o salmista usa uma figura maternal para o
Senhor da Criação: “Qual criança desmamada se aquieta no colo de sua mãe, assim
se acalma minh’alma nos teus braços...” Mãe só tem uma, mas são inúmeras as
metáforas de mãe no Tabernáculo de Deus.
Ao ler a vida
de minhas irmãs em Cristo, tenho de prestar tributo a algumas que não são mães
na carne nem por adoção, mas se enquadram na descrição paulina de “mestras do
bem” que são mães para muitos no Israel de Deus:
- Kellen,
pediatra e hebiatra, que tem tratado e apoiado centenas de crianças e jovens
que chegam à sua vida e saem curadas e transformadas;
- Alina,
quarenta e cinco anos de ministério em educação cristã, em que ensina a Palavra
Viva e a Palavra Escrita a crianças do Brasil e além-mar;
- Junia,
assistente social que serviu o povo de Deus e o povo de São Paulo com arte,
sabedoria e carinho maternal;
- Alice,
enfermeira aposentada, que jamais teve filhos mas “maternou” irmãos, sobrinhos
e estranhos, durante toda sua vida;
- Ingrid
Neuman que não se casou e mesmo na paraplegia deu à luz trabalho e capacitação
para muitos portadores de deficiência, demonstrando em sua vida a sempre
suficiência de Jesus Cristo para todos;
- Stella,
médica do trabalho, que trabalha incansável na evangelização de pacientes e
profissionais de saúde, demonstrando fome e sede de justiça.
Eu poderia citar
inúmeras outras mães no Corpo de Cristo—mulheres e mesmo homens, que dão de si
mesmo para fortalecer, educar, edificar ao próximo. Essa qualidade de Mãe e Pai
não é exclusiva do sexo feminino, mas exclui qualquer jactãncia, exibição ou
auto-justiça, dependendo unica e exclusivamente de Deus, que nos chamou,
transformou, capacitou e levou a termo filhos no novo nascimento.
Elizabeth Gomes