Vitórias, incertezas e temores são presenças
constantes em
nosso cotidiano. Mais que nunca. Fico lembrando as
afirmativas triunfalistas de alguns amigos que querem nos animar: “Vai dar tudo
certo”; “Deus já ordenou a cura, em nome de Jesus ”; “Vocês são uma bênção e serão
vitoriosos em tudo que fizerem”.
Por outro lado,
lembro de recentes perdas dos amigos: um amigo da minha idade, que cuidava de
sua saúde tinha excelentes hábitos alimentares e invejável estilo de vida,
morreu de ataque cardíaco a menos de um mês; outra amiga, mais jovem do que nós,
está acometida de câncer e tem poucas perspectivas de ver crescer os filhos
pequenos; outra amiga que queria servir ao Senhor em seu lar e sua vida, é
abandonada e fica só apesar do marido, líder cristão, ter prometido uma vida
inteira de envolvimento no Reino de Deus. Nem tudo é vitória humana na luta da
fé – o capítulo onze de Hebreus já dizia isso quando afirmava que pela fé
tantos tiveram perdas permanentes quanto viram resultados mais felizes.
Atualmente
estou traduzindo um livro de Paul Tripp sobre os sentimentos de perda na meia
idade, e traduzi há mais de um ano outro de Michael Horton sobre aquilo que era
“bom demais para ser verdade”— ambos demonstrando a lucidez do realismo com esperança que só uma
perspectiva bíblica da vida podem nos dar. Tenho comprovado tal perspectiva na
vida de pessoas que me cercam, e quero assumi-la pessoalmente e de modo
crescente cada dia que passo, mas confesso que sou fraca e minhas decisões são
inconstantes. Lembro da frase constante de uma mestra do bem: “Seja
equilibrada” – e no equilíbrio/desequilíbrio de uma vida andando com o Senhor,
continuo aprendendo e precisando aprender mais e melhor o que Deus tem para
fazer em mim e comigo. Primeiro, porque jamais poderei dizer que já cheguei lá, que consigo viver pela fé,
que vivo na dependência de Deus cada dia e posso ser exemplo dos fiéis. Passos
que eu julgava serem certeiros tomo ainda incerta do rumo e até mesmo do
compasso em que deverei marchar. Para tanto, digo com santos mais experientes: “Não
sei o que de mal ou bem é destinado a mim, se maus ou áureos dias vêm até da
vida o fim – mas eu sei em quem tenho crido e estou bem certo de que é poderoso
para guardar o meu tesouro até ao dia final” (Hinário Novo Cântico, # 105). Sou
relembrada, pelo velho apóstolo, que “perto está o Senhor”, e por isso nossa,
minha equidade deverá ser notória a
todas as pessoas (Fp 4.5). Com ele, “não julgo que o haja alcançado; mas uma
coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para
as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana
vocação de Deus em Cristo Jesus”. Aprendi isso do meu pastor e companheiro de
vida, Wadislau, que hoje enfrenta uma doença que enfraquece os músculos (muito
perigoso quando esses músculos são coração e diafragma e não apenas das
pálpebras e face), embora mantenha a fé fortalecida. Com ele aprendo a não
estar inquieta por coisa alguma; antes, nossas “petições sejam em tudo
conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças”.
Sou velha
demais para aprender? Não. Estou aprendendo, a passos cambaleantes de
criancinha de um ano, com um velho preso, “a contentar-me com o que tenho. Sei
estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as
coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter
abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me
fortalece”. É visível o fato de que não sou exemplo nem modelo para a vida
cristã. Não temos a empáfia de pregar, ainda que sejamos cartas vivas.
Comparações? Não com pessoas que passam a vida
em manso lago azul, nem com as que vivem sobre turbulento mar, mas com “isso que
vivo hoje diante das glórias que estão por vir” – só posso ser grata e dizer
“não mereço, mas ele pagou o preço”! Lutas e glória – tema que perpassa o Livro
desde Gênesis até o Apocalipse. Não quero, nem tenho direito “passar sermão” –
quero apenas afirmar que a graça de Deus tem bastado para nós, renovando as
forças e dando ao cansado alento constante.
Muitos são os amigos que enviam mensagem de
força e nos desafiam a permanecer inabalados. Quisera conseguir fazer mais:
cuidar melhor do Lau em sua enfermidade, da casa, das refeições e atenções aos
que demonstram carinho de tantas formas, manter em dia meu trabalho escrito (Editora
Fiel e Cultura Cristã que tenham paciência comigo! Vou terminar o trabalho com
acuidade, ainda que com atraso!).
Mesmo tempo ininterrupto para ler vai ficando
mais escasso a cada dia. Pelo menos temos a memória do que nos dá esperança, e
aquilo que guardamos no coração há muito tempo tem aflorado à mente e boca
quando nos faltam minutos para uma hora formal com a Palavra. Por isso os
lábios que se esqueceram do batom e o rosto que não viu o creme hidratante
conseguem destilar graça – não a minha nem a nossa, mas a do Senhor da minha,
sua, nossa vida, de nosso ser e até mesmo daquilo que não conseguimos fazer ou
ser. Engraçado favor imerecido quando só merecíamos ira; graciosa benignidade
generosamente derramada.
Invejo pessoas que têm tempo de sobra para
escrever – quem tem idéias de sobra e tempo em falta sofre com o entupimento de
veias e veículos de circulação e não aplica a preciosa riqueza do
espairecimento e espaçamento do repouso e lazer sobre aquilo que se pensa e
produz. O contraste é também patente entre os tesouros e a perícia do lapidador
que não dispõe de tempo para burilar a pedra bruta, e acaba apresentando jóia
com menos facetas que ressaltem o brilho, mais arestas não polidas a esconder o
fogo do interior da pedra.
O salmista adverte que não tenhamos inveja de
quem prospera no caminho – e tenho de me curvar ao Eterno que está dentro,
fora, acima, por baixo, envolto e independe do tempo em nosso planeta ou
qualquer outro desse universo. Sou dele, e se existe uma única mensagem que
quero compartilhar com meus irmãos de caminhada, é esta: Dele, por meio dele, e
para ele são todas as coisas. A glória, pois, a ele eternamente (Rm 11.36).
Nada se compara a essa vida. Conhecer Jesus é
incomparavelmente melhor! Conflitos quanto aos contrastes e as incongruências e
inadequações da vida aqui e agora diante de um passado de “até aqui nos ajudou
o Senhor” até um futuro que “está em suas mãos” é uma ventura que eu não
trocaria por nada nesta vida nem na eternidade.
Elizabeth Gomes