sexta-feira, novembro 25, 2016

COMUNICAÇÃO E AMOR NA TRINDADE


Aos domingos, entre o estudo bíblico e o culto, trocamos amizade em torno de um café. A IPP (Igreja Presbiteriana Paulistana) tem gosto nesse encontro de irmãos com riso largo e os “como vai” e “onde é que dói” com a sinceridade de quem espera uma resposta. Mão na mão, e braço estendido ao visitante, desejamos que o amor e a comunicação sejam reflexos autênticos e genuínos do amor e da comunicação de Deus. Outro costume da IPP é o do tempo para perguntas após o sermão—esperando sempre comunicação em amor. No último domingo, um visitante, trazido “pela internet”, fez algumas perguntas. Bengalês, falador pobre no português, hábil no inglês, afável adivinhando afetação, deixou saber que coletava material para um livro sobre o “misticismo das religiões”.

A mensagem seguia a Ep. aos Efésios (Uma herança transmitida pelo Filho, 1.6-12) em que o contexto mostra uma ação da Trindade. Esse aspecto, apenas mencionado, suscitou uma questão de um irmão: “A Bíblia não é definitiva sobre a doutrina da Trindade e o shemá judaico (Dt. 6.4) diz que Deus é um. Tenho para mim que Cristo e o Espírito sejam manifestações de Deus”. Já que voltaríamos o assunto em breve, e nem todos os presentes estavam prontos para seguir a conversa de maneira frutífera, procurei uma resposta simples que realçasse o valor da questão.

A doutrina da Trindade é discutida ao longo da história da igreja, sobressaindo três heresias: (1) o Modalismo (Deus é um e apenas manifesta-se nos diferentes modos do Filho e do Espírito); (2) o Arianismo (de Arius, que diz que o Filho seria mais uma criação de Deus Pai, condenada no Concílio de Nicéia, em 325 AD); e (3) o Triteísmo (três deuses), menos difundido, mas impressionando a mente de muitos crentes (evidentes nas tentativas limitantes de ilustrações como “partes de um ovo”, “estados da água”, “membros de uma família”, etc.). Esses desvios levantam perguntas retóricas. É Deus somente o Um, singular, e Cristo e o Espírito seriam apenas modos de sua manifestação (modalismo)? Nesse caso, quando Jesus Cristo, o Deus encarnado, morreu na cruz para nossa redenção, o Deus único e imortal também morreu? Quando Jesus Cristo, o Filho, comunicava amor ao Pai, em oração, estaria ele apenas encenando com fins didáticos? Esse recurso comunicaria a verdade em amor? Se Deus for um e não muitos, haverá um imanentismo (Deus está em tudo) e, nesse caso, restará uma expectativa de sermos absorvidos pelo tudo, acabando em nada. Se Deus for muitos e não um, haverá um panteísmo (tudo é deus), e a nós sobrará a sina terminal de toda a natureza. A existência seria ora um barulho ensurdecedor ora um silêncio terrível. Ao contrário, a sabedoria bíblica declara que Deus é, ao mesmo tempo, Um e Muitos, singular e plural. Ele criou todas as coisas fora de sua própria essência (transcendência), mantidas coesas na comunicação do seu amor. Certamente, para quem tem o Espírito e, assim, o entendimento da Palavra, essa breve argumentação seria suficiente.

Aproveitando a deixa, o visitante passou a debater— e este caso era diferente. À medida que desalinhavava os seus pontos, reconheci um ranço muçulmano no contato com a história, o material, e os termos mais comuns na literatura do cristianismo. Sua voz e atitude traíam uma motivação noturna. Ele juntava linhas sem nós, sequer atentando às respostas. Uma visão crítica anticristã tornava a crença na Trindade um acréscimo espúrio tardio ao evangelho. “A doutrina da Trindade foi formulada depois do ano 300”, disse ele. Teria sido assim mesmo!? Ou a Trindade era tida como certa em todos os escritos bíblicos, e as dúvidas e correções é que foram formalizadas em Nicéia? Assim, pedindo a Deus que me abençoasse com a coerência da palavra e do trato, reafirmei a convicção de que a doutrina da Trindade é basilar a qualquer aproximação hermenêutica saudável da teologia cristã. Conforme escrevi em outro lugar (por exemplo, Sal da Terra em Terras do Brasis, Ed. Monergismo):
A doutrina em que cremos, isto é, o trinitarismo ortodoxo histórico—ao qual confessaram Atanásio, Basílio, Gregório de Nissa, Gregório de Nizanzus, Tomás de Aquino, Lutero, Calvino, e outros—ensina que Deus é perfeitamente unificado e simples. Ele tem uma essência única, assumida em comum pelo Pai, Filho, e Espírito Santo. São três pessoas consubstanciadas, coerentes, coiguais, e coeternas. Como diz a Confissão de Fé de Westminster: “O Pai não é de ninguém—não é gerado nem procedente; o Filho é ternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho”.

Nas linhas do Credo de Atanásio, cultuamos a um Deus na Trindade em unidade sem misturar as suas pessoas nem dividir a sua essência. Mas, de que adiantaria uma aula de teologia? A doutrina da Trindade é uma das revelações do mistério de Deus agora “dado aos santos”. Os regenerados apreendem esse conhecimento com toda sabedoria e prudência, pois o Deus concedeu-nos a benção da participação de sua própria natureza (cf. 2Pd 1.4), da adoção em Cristo, e da vivificação por meio da ação do Espírito de Deus e do Filho (cf. Jo 1.12; Rm 8.16). O crente tem a mente de Cristo—e, mesmo assim, tem de enfrentar o fato de que um conhecimento infinito não pode entrar na mente finita. O não regenerado, por sua vez, não entende as coisas de Deus, considerando-as loucura, e tratando-as com inimizade (1Co 2.12-16). A maneira de transmitir graça ao não regenerado é por meio de uma amorosa comunicação do evangelho, de modo claro e com suficiente conteúdo. Ao receber a luz do evangelho, ele será confrontado com o próprio Deus na cruz de Cristo—no qual todos os homens morrem, uns para a ressurreição eterna, outros, para a morte eterna. Todos nós, crentes e incrédulos, precisamos saber que essa é a comunicação da verdade de Deus, no amor de Deus. Essa é a ação verbal e viva que todos podem entender, isto é, a pregação do Evangelho, para a qual temos a promessa da ação do Espírito Santo.

Francis Schaeffer diz (The complete works of Francis A. Schaeffer, Vol. 2,, 12–14; 1982. Westchester, IL: Crossway) que somente a Trindade pode explicar a presença da comunicação e do amor. Essas graças são aspiradas por escritores, pintores, atores, e cientistas, sem que eles saibam de onde vêm nem experimentem comunicação efetiva e amor perene. A Bíblia fala da comunicação e do amor como estando presentes antes da criação. “Antes de Gn 1.1, amor e comunicação eram intrínsecos ao que veio a ser” criado. Esse fato bíblico é revelador quanto à natureza de Deus, especialmente, sobre a Trindade. Em Gn 1.26, lemos: Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Também, depois da queda, Deus disse: o homem se tornou como um de nós (cf. Gn 3.22; Is 6.8). O ensino da Trindade é enfatizado em Jo 1.1-3. “De fato, o conceito tem especial força porque toma a primeira frase de Gênesis e torna-a ... um termo técnico”: No princípio já era o Verbo, e o Verbo já estava com Deus, e o Verbo já era Deus (o imperfeito grego, era, aqui, é mais bem traduzido como já era). Tudo foi feito por ele, e sem ele nada se fez. Adiante, aprendemos quem é a personalidade chamada o Verbo (Logos). Jo 1.14, 15 deixa claro: O Verbo se fez carne e habitou entre nós, e João Batista deu testemunho dele, dizendo:  ... o que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim.

A expressão no princípio, repetida em Hb 1.10 e Jo 1,1-13, enfatiza que Cristo já era antes da criação e foi ativo na criação. A mesma expressão ou a mesma ideia, Schaeffer prossegue, é repetida em Cl 1.16, 17, em que Paulo diz: nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra ... Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ainda, em 1Co 8.6 , “Paulo aponta a um paralelo entre Deus criando e o Filho criando: para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele”. Assim, estabelecida a relação do Pai e do Filho com a Criação, Schaeffer argumenta sobre a relação com o Espírito. Gn 2 deixa claro: e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. É certo que o entendimento da expressão “Espírito do Senhor”, nesse texto, tem levantado questões, mas é verdadeiro que a Bíblia, Antigo e Novo Testamento, ressalta a presença da Trindade no processo criador. “No princípio” determina o fato de que nesse ponto houve a sequência de uma criação ex nihilo (a partir do nada) por meio da Palavra ou Verbo de Deus. Antes do “princípio”, Deus era—eterno, infinito, soberano—e havia a existência pessoal de amor e de comunicação. Amor e comunicação eram intrínsecos à Trindade, diz Schaeffer.

O Antigo Testamento fala de um Filho Deus eterno e de um Espírito Deus pessoal eterno? Considere Pv 30.4, em que, depois de uma série de perguntas sobre o Santo criador da terra, Agur indaga: Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes? Ainda mais, em Is 9.6, numa clara referência a Jesus Cristo e ao Espírito, o profeta diz: Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Adiante, em 11.1-5, Isaías descreve o Cristo Jeová Forte e Pai da Eternidade, dizendo que ele nasceria do tronco de Jessé e da raiz de Davi, um renovo sobre quem repousaria o Espírito do Senhor (cf. Pv 8). Novamente, em Is 48.16-17, o profeta diz: ... não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá. Agora, o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito. Assim diz o Senhor, o teu Redentor, o Santo de Israel. Mais ainda, o próprio shemá, utilizado para defender a natureza unitária de Deus, traz: Ouve, Israel, Jeová (aquele que É), nosso Elohim (pl., deuses) é o único Jeová (cf. Dt 6.4). Também, Jesus interpreta o texto de Sl 110:1—Disse o Senhor [Jeová] ao meu Senhor [Adonai], do seguinte modo: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor ... Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho (cf. Mt 22.42-45)? Em Jo 14—16, Jesus fala dele mesmo, o Filho, e do Pai, e do Espírito, como pessoas coeternas e coiguais numa Triunidade!

Por que, então, a teologia judaica não afirmou a existência da Trindade, no AT? A resposta é pronta: a doutrina da Trindade pertence à teologia cristã em razão do propósito divino da redenção dos escolhidos. Todos os que foram salvos nos tempos do AT, não poderiam compreender a Trindade e sua atuação na redenção (cf. Ef 1.3-14) porque teriam de aguardar a revelação de Cristo. Ele falou com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado (Jo 7.39). Quando prometeu enviar o Consolador para habitar conosco, Jesus explicitou: o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós (Jo 14.16-17). Até então, era um mistério a ser revelado, segundo o bom propósito de Deus: Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados (Hb 11.39-40). E Paulo diz: podeis compreender o meu discernimento do mistério de Cristo, o qual, em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como, agora, foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito (Ef 3.4-5).

Concluindo, a essência da comunicação em amor ocorre no seio da Trindade, é manifestada no Pacto eterno, e é revelada em Jesus Cristo (cf. Jo 1.5-18). Somente os que recebem a revelação do mistério da redenção, mistério de Cristo ou mistério de Cristo e a igreja, podem aceitar que há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos (Ef 4.4-6).
Wadislau Martin Gomes

terça-feira, novembro 22, 2016

ALEGRIA, GENEROSIDADE E GRATIDÃO


Conversávamos outro dia, minha amiga e eu, sobre pessoas que passam necessidades de sustento e manutenção, sem opções para resolver suas carências. Algumas amigas passam por doenças implacáveis e devastadoras. Outros passam por necessidades financeiras que jamais sonhariam quando, mais jovens, eram profissionais bem pagos. Será que temos na Bíblia uma orientação saudável e segura para agir e ajudar a amigos que passam por provações financeiras, de saúde e de natureza familiar?
No último capítulo de Filipenses, o tipo de coisa que Paulo escolhe enfatizar, inclui: integridade nos relacionamentos, fidelidade para com Deus, confiança calma nele, pureza e salubridade nos pensamentos, e piedade na atitude do coração. Em toda área, Paulo quer produzir firmeza, estabilidade, perseverança, persistência, e fidelidade diante de Deus—diante do Deus que se revelou tão maravilhosamente em Jesus Cristo seu Filho. Isso depois de escrever três capítulos sobre generosa gratidão a pessoas que possuíam muito pouco, que em nossas igrejas de hoje seriam vistas como desprovidas e empobrecidas. Portanto, Paulo lembra em dedução lógica, o que havia dito antes sobre a soberania de Deus, conclamando seus leitores a permanecer firmes no Senhor. Ele implora que essa firmeza seja demonstrada na prática, com a solução de uma discussão entre duas mulheres líderes: pensem concordemente. O apóstolo não insiste em que sejam iguaizinhas no pensamento, que tenham cabeças idênticas, mas que vivam em harmonia.
 Isso torna possível a segunda ordem: Alegrem-se no Senhor (v 4)!. Tal alegria se demonstra na moderação pela qual os crentes todos devem ser conhecidos—isso, porque o Senhor está aí. “Seja vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor” (4.5). Perto está o Senhor não é tanto que Deus esteja vigiando tudo que fazemos e dizemos, embora inclua isso, mas que a sua proximidade nos incentiva a imitar a vida de Paulo e outros pastores, em contraste aos inimigos do evangelho.
Creio que, mais provavelmente, que Paulo quisesse dizer que o Senhor está espacialmente, ou melhor, pessoalmente perto. Deus não está longe; está bem perto de nós, junto a nós. Como então poderíamos ceder à autocomiseração?
Suponhamos, por um momento, que o Senhor ressurreto e exaltado entre na sala em que você e os seus amigos estão sentados. Suponhamos que não haja dúvida na mente de qualquer pessoa quanto a sua identidade. Como você responderia? Será que correria imediatamente para ele, pavoneando a sua própria excelência? Quando Jesus lhes mostrasse um vislumbre da sua glória e virasse as mãos com as marcas dos pregos, será que você seria rápido para desfilar as suas virtudes cristãs? Pode a autopromoção fazer parte do seu pensamento?
Paulo começa o parágrafo comentando novamente o carinho dos filipenses a suprir para as suas necessidades, enviando-lhe socorro: “Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade” (4.10). A frase “agora, uma vez mais” neste contexto não tem tons rogatórios culpando os filipenses por serem vagarosos como se dissesse “até que enfim” vocês o fizeram. Pelo contrário, quer dizer que, agora, depois de um extenso hiato, eles renovaram a preocupação com o apóstolo, como haviam demonstrado há dez anos. Percebemos que isto é o que Paulo está dizendo, baseado na próxima frase: “também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade” (4.10).
Com perspicácia, Paulo percebe como a sua exuberante gratidão aos filipenses poderia ser mal compreendida. Ele insiste que suas palavras não sugeriam pedido de mais um donativo. Se existe alguma coisa que deseje, diz ele: “o que realmente me interessa é o fruto que aumente o vosso crédito” (4.17). Noutras palavras, Paulo está principalmente contente que os filipenses tenham sido tão generosos no trabalho do evangelho. Não porque ele fosse o receptor dessa generosidade, mas porque, com a generosidade, eles estariam agindo como cristãos. E Deus, que nada deve a ninguém, os recompensaria. Paulo está mais alegre com as bênçãos que eles experimentarão por demonstrarem ser uma igreja doadora e generosa do que com a própria oferta que veio às suas mãos.
Aparentemente, Paulo procura redirecionar algumas das doações futuras: “Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (4.18). Qualquer que seja o caso, quer os filipenses enviem esses donativos generosos a Paulo quer a outros, os donativos eram oferecidos primeiramente a Deus: “como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (4.18).
Estas são importantes lições de cortesia e generosidade cristã. Examine como Paulo agradece aos crentes em suas cartas; leia e releia as “ações de graças” de abertura que marcam todas as epístolas com exceção de uma (Gálatas). Seu modelo é agradecer a Deus por aquilo que os crentes têm feito ou pelos sinais de estabilidade espiritual que ele percebe neles. É uma atitude duplamente sábia. Precisamente porque Deus não é devedor a ninguém, os seus filhos podem confiar nele para suprir as suas necessidades: “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (4.19).
Volto ao comentário do início, de que alguns irmãos passam necessidades e parece que não são socorridos. Nossos amigos, no passado, auxiliaram muitos pastores e missionários, tal como pessoas desprovidas dentro e fora da igreja, e nunca reivindicaram o que deram. Existe gente que pensa que “merece” ajuda. A meritologia está tão embutida em nossa cultura que a vemos em dizeres das diversas psicologias que enfatizam auto-ajuda, autopromoção, auto-assertividade, e nas sociologias dos movimentos sociais como as do MSTs. A verdade é que eu não mereço nada. Pecadora indigna, eu nada mereço senão a condenação eterna de um Deus justo e bom. Tudo o que ele fez por mim, tudo que me dá e faz a cada dia, é exclusivamente pela sua graça mediante a obra redentora de Jesus Cristo. Nossos amigos que hoje sofrem necessidade e não merecem passar por isso, não é porque Deus tenha declarado que todo crente será sempre vitorioso e próspero. O pecado existente no mundo, as más escolhas que porventura fizemos, às vezes, até a ingratidão e displicência de outros fizeram com que essas coisas que fazem parte da existência humana, acontecessem e tornaram a sua vida ficasse injustamente desprovida. Também não cabe a nós julgar os méritos de quem sofre— a nós que somos participantes da graça de Deus (Fp 1.7) cabe imitarmos a Cristo e a seus servos, sendo generosos co-participantes da graça de Cristo, que,
reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte,  e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que, ao nome de Jesus se dobre todo joelho nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (Fp 2.7-11).
Qualquer generosidade que exerçamos será em obediência ao Deus que tudo nos dá. Tem de ser com humildade, e é desenvolvida com temor e tremor, com alegria e cautela. É esta a mensagem que Paulo escreveu à igreja formada por ele em meio a grande perseguição e entrega de vida. Nesse espírito, temos motivo constante de gratidão que se demonstra em continuada generosidade. Nossos amigos não deverão passar por provações insuportáveis. Todos nós poderemos viver sem ansiedade; conhecidas diante de Deus nossas orações. Paulo pode dizer com sinceridade: Posso tudo naquele que me fortalece (Fp 4.13) e concluir “O meu Deus, segundo as sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.20).
Elizabeth Gomes

sexta-feira, novembro 04, 2016

TEOLOGIA PARA BLOGUEIROS, FACEBOOKERS E OUTROS CONVERSADORES


 
Norman Rockwell - pintura
Uma ilustração antiga vai assim – o menino saía para jantar em casa de um amigo e ouviu uma última recomendação da mãe: E não vá dizer que não gosta de alguma coisa, ein! À mesa, o garoto viu, olhos arregalados, um prato de jiló tão ameaçados como a ordem materna. Não gosta de jiló?, perguntou a mãe do amigo. Gosto, respondeu, de pronto, mas não a ponto de comer. Muitas vezes, cremos, mas não a ponte de praticar. É mais ou menos por aí que vão as “teologizações” na mídia. Há muita coisa boa, de gente boa, graças a Deus! Mas há, também, muita falta de coerência entre o que a Bíblia diz e o que dizemos. Por toda parte vemos ginásticas para cumprir crenças e manter gostos e prazeres pessoais. E vemos tentativas de comunicação, nas quais más posturas e más palavras negam os comportamentos requeridos para uma vida de graça mediante a fé.

Em Efésios 4 (LTNH), Paulo fornece uma lição de teologia da vida cristã – ...peço a vocês que vivam de uma maneira que esteja de acordo com o que Deus quis quando chamou vocês (v. 1b). Nas linhas que se seguem, o apóstolo fala do caráter, da disposição, e do serviço das pessoas chamadas para viver a união da própria Trindade.
Sejam sempre humildes, bem educados e pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá. Há um só corpo, e um só Espírito, e uma só esperança, para a qual Deus chamou vocês. Há um só Senhor, uma só fé e um só batismo. E há somente um Deus e Pai de todos, que é o Senhor de todos, que age por meio de todos e está em todos (vv. 2-5)

Paulo prossegue, dizendo que cada um, dessa totalidade chamada para a salvação, recebeu de Cristo um dom especial ensinado e treinado por pessoas igualmente dotadas e, por sua vez, doadas à igreja: apóstolos, profetas, evangelistas, e pastores mestres, para preparar o povo de Deus para o serviço cristão a fim de construir o corpo de Cristo (cf. vv. 11, 12). Somente dessa forma, diz ainda, chegaremos à necessária unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus. Somente desse modo seremos pessoas maduras, isto é, alcançaremos a estatura espiritual de Cristo (cf. v. 13). Somente dessa forma deixaremos de ser crianças surfando ondas baratas ao sabor dos ventos de mentiras de pessoas falsas (cf. v. 14). Somente falando a verdade com espírito de amor cresceremos em tudo até alcançarmos a estatura espiritual de Cristo, que é o cabeça (v. 15).

Como discernir textos maduros e textos imaturos, se nosso conhecimento das pessoas se resume, em muitos casos, a um contacto de apresentação seletiva?

Em primeiro lugar, observando criticamente o ajustamento que tais pessoas exibem como membros do corpo da igreja sob o senhorio de Cristo (v. 14). Em segundo lugar, observando como essas pessoas regeneradas abandonam a velha natureza com seus desejos enganosos e como se separam de posturas pagãs caracterizadas por falta de vergonha de expor pensamentos e sentimentos descontrolados e indecentes (vv. 16-19, 22). Em terceiro lugar, observando como essas pessoas aprenderam como seguidores de Cristo, ou “aprenderam a Cristo”, que quer dizer como elas aprenderam a verdade a verdade que está em Cristo (v. 20). As pessoas verdadeiramente dotadas pelo Senhor para servi-lo no crescimento do corpo de Deus despem-se da velha natureza e revestem-se da nova natureza, criada por Deus, que é parecida com sua própria natureza e que se mostra na vida verdadeira... (v. 23).

A comunicação dessa vida verdadeira, e nesta vida verdadeira, implica um constante luta contra todas as formas de mentira. Como expõe o Breve Catecismo de Westminster, sobre o Nono Mandamento (PR 77, 78), a Bíblia requer a “a conservação e promoção da verdade entre os homens e a manutenção da nossa boa reputação, e a do nosso próximo”  proibindo toda forma de mentira, tais como juízos falsos, calunia, difamação, boatos, falsidades, fofocas, tagarelice, insultos, xingamentos, maledicências, falsidades e profecias extrabíblicas.

Deixar a mentira e falar a verdade é uma luta realmente difícil, pois todos somos propensos a considerar as coisas nos limites de nossa própria visão, e não com os olhos de Deus. Alguns que tentam manter honestidade e sinceridade, às vezes, ainda assim, falham em função uma pobre exegese do texto bíblico e desconhecimento da pobreza da natureza humana. O texto de Ef 4.25 diz que nossa motivação para deixar a mentira e falar a verdade com o próximo reside no fato de que somos membros uns dos outros

Novamente, a nossa união com Cristo e nossa consequente unidade no corpo de Cristo é que nos habilita a falar a verdade em amor (cf. D. Powlison, Uma nova visão, Ed. Cultura Cristã). Se atendermos à verdade, também obedeceremos à ordem bíblica de sermos sensíveis à injustiça, irando-nos contra o pecado e a falsidade em quaisquer termos, quer de doutrina quer de comportamentos. Em tudo isso, porém não poderemos ir da ira justa à raiva, pois correremos o risco de sermos tentados pelo diabo (v. 26). Sempre que dermos lugar à ira rancorosa, amargurada, findaremos roubando ao próximo aquilo que, antes, deveríamos proporcionar. Em vez de entrar em contendas inglórias, deveríamos trabalhar para desenvolver os nossos dons e, ainda, para ter com que acudir o necessitado (v. 28).
Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unica-mente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem. E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção. Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blas-fêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou (vv. 29-32).

Aquele que consegue ver com os olhos de Deus e, pelo Espírito, entender a prescrição bíblica, certamente cuidará da própria boca, e da escrita. Para que usar palavra torpe? Uma figura torpe? Só para chocar? Note que não quero ser moralista, legalista, e daí em diante, e faço uso de minha liberdade cristã – mas entendo que, mesmo que uma palavra ou imagem não seja torpe, poderá ser que seu uso seja malicioso. De todo modo, a pergunta é: o que digo, escrevo ou exponho, transmite graça ao que me ouve ou vê?


Wadislau Martin Gomes